AS NOVAS RELAÇÕES ENTRE A UNIVERSIDADE E A SOCIEDADE BRASILEIRA NA ERA DA REVOLUÇÃO CIENTÍFICO-TECNOLÓGICA: O SABER (PODER) EM DISPUTA

Angela C. de Siqueira (*)

INTRODUÇÃO

A discussão do tema Relação Universidade e Sociedade é bastante polêmica, envolvendo não só a definição, ou definições , do que seja uma Universidade, assim como certamente implicando em questões como de autonomia, financiamento, poder, saber, controle dos processos, pesquisa, avaliação dentre outros.

Desde a sua criação na idade média, a Universidade vem assumindo papéis e funções diferenciados, em decorrência das ligações e subordinações pelas quais passou em cada momento histórico. Mesmo ante às variadas propostas para sua inserção na(s) sociedade(s), o certo é que a Universidade sempre foi considerada como sendo detentora primordial do SABER Como exemplo, citamos que no século XIII, os papas e os soberanos passaram a criar universidades e não só a encorajar o desenvolvimento espontâneo das mesmas, visto que, segundo VERGER (1990), eles tomaram "a consciência do papel que elas (universidades) podiam desempenhar, ao colocar à disposição da Igreja e do Estado um pessoal intelectualmente qualificado" (p.43), o que facilitaria a obtenção do controle sobre a sociedade, via saber produzido e divulgado.

Atualmente, quando a ciência e tecnologia passam a ter um novo peso no processo de acumulação de capital, as universidades - centros privilegiados do saber - voltam a ser objeto de interesse e disputa na sociedade. Por um lado por empresários, que lutam cada vez mais pela apropriação privada do SABER - hoje igual a capital e - por outro pelos que, preocupados com a crescente apartação social, acreditam que o SABER deve ser de acesso a todos e de boa qualidade, como uma das condições para a democratização dos país. Nesta disputa ainda temos a figura dos governos, hoje trilhando, em sua maioria latino-americana, os ideários do neo-liberalismo que pregam o Estado Mínimo- este definido pelo Consenso de Washington, onde o mercado deve ser o grande senhor, claro que só para os países mais pobres, visto que para os

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(*) Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense

desenvolvidos não é bem assim - e, paulatinamente vêm se desobrigando dos ditos benefícios sociais, ou funções sociais exercidas, por um Estado do Bem-Estar Social (Welfare State), que nunca chegou a existir, de fato, na América Latina. Tivemos sim uma mescla de Estado assistencialista-corporativo-paternalista-autoritário-nepotista.

Na trilha neoliberal, o que importa em matéria de educação para os países subdesenvolvidos, seguindo as receitas dos organismos internacionais (FMI, Banco Mundial, BIRD, BID, OEA, etc) e também parte do empresariado nacional, seria o oferecimento de educação básica de "qualidade" para todos, visto que o processo de "desenvolvimento" necessita de uma mão-de-obra mais "flexível", com mais anos de estudo; mais apta a trabalhar com as novas ferramentas do processo produtivo, principalmente a informática, o acesso rápido às redes de comunicação, etc. A "educação de qualidade" seria reduzida a uma dimensão técnica, na perspectiva de formar recursos humanos para o trabalho, esquecendo a dimensão humana, que implica na democratização do acesso e da produção do saber, como um dos direitos básicos da cidadania.

Segundo MOLLIS (1994- p.114), há uma "nova teoria do crescimento", elaborada por Lucas (1), que assim expressa essa nova ênfase dada à educação e sua vinculação com o capital: "Não pode haver fluxo de capital dos países ricos para os pobres se o nível do capital humano destes está muito aquém em relação aos primeiros. Um baixo nível de capital humano faz com que o capital físico seja menos produtivo".

Ainda segundo a ótica neoliberal dos organismos internacionais, em sua versão neo-colonial do processo de globalização/regionalização, a produção do conhecimento, a geração do conhecimento livre e desinteressado por exigirem muito investimento de tempo, dinheiro, pessoal qualificado e equipamentos, não deveriam ser prioridade do país. Os "poucos recursos" existentes deveriam ser canalizados para a pesquisa aplicada, de preferência feita sob encomenda pelas empresas e governos e desenvolvida em centros de excelência e, de outro lado, para a melhoria da escola básica e sua extensão "para todos". Este redirecionamento de investimentos nessas duas pontas do sistema de ensino: escola básica e pós-graduação "produtiva", isto é ligada à produção da ciência aplicada, pode vir a deixar em dificuldades o já ___________________________

(1) A autora se refere a obra de LUCAS, Robert (1988). On the Mecanics os Economics Development, In: Journal os Monetary Economics, nº 22, Harvard, Mass.

"ensanduichado" 2º grau, - há anos espremido e indefinido entre os esforços para o 1º grau e a graduação - assim como os próprios cursos de graduação, notadamente das áreas humanas e sociais. Certamente, como educadores sabemos que essa perspectiva levará a criar um fosso, que, com o tempo, deteriorará todo o sistema de ensino, visto que sem uma boa graduação- que certamente precisa ser revista e revigorada -, não teremos bons professores para lecionar nos graus anteriores e, ao longo do tempo, não teremos como formar os pesquisadores para os ditos "centros de excelência" ou de pesquisa de ponta, muito menos indivíduos críticos e criativos.

A UNIVERSIDADE E SUAS VINCULAÇÕES NOS ANOS 80

Se no final idade média as universidades e o saber por elas produzido ou divulgado eram submetidos ao poder da igreja, passamos aqui na América Latina , na década de 90 e no mundo na década de oitenta a ver "um boom na expansão de diversos tipos de mecanismos de vinculação entre as universidades e o setor produtivo. Até meados aos anos setenta(2) e, com exceção do Instituto de Tecnología de Massachussetts (MIT) e da Universidade de Stanford,(...), atividades tais como criação de firmas a partir das universidades eram totalmente estranhas à vida acadêmica" (FANELLI, 94)

A mudança acima apontada tem a ver com a nova ordem mundial, onde os Estados-Nações vêem paulatinamente perdendo suas funções ante o fenômeno da globalização e regionalização ( Mercado Comum Europeu, NAFTA, Tigres Asiáticos, MERCOSUL, etc) da economia, com o surgimento e fortalecimento dos novos "senhores da humanidade": "(...) Em nossa época os senhores são, cada vez mais, as corporações supranacionais e as instituições financeiras que dominam a economia mundial, incluindo o comércio internacional (...). o país é uma preocupação secundária para os senhores, que estão jogando um jogo diferente. Suas regras foram reveladas pelo o que 'The New York Times' chamou do 'Paradoxo de 92: ________________________

(2) A autora baseia-se em dois estudos: BLACKMAN, C. & SEGAL, Nick (1992). Industry and Higher Education. The Encyclopedia of Higher Education. Ed. Burton R. Clark & Guy Neave, 1ª ed., 4 vols, Oxford, Pergamon Press. p. 934-46 e FERNÁNDEZ DEL LUCIO, Ignácio et. al (1993). Interacción universidad-empresa en España. Cooperación empresa -universidad en Iberoamérica. Ed. Guilherme Ary Plonski. San Pablo: CYTED. p. 109-36.

Economia Fraca, Lucros Fortes'. 'O país' como entidade geográfica pode sofrer um declínio. Mas os interesses dos 'principais arquitetos' da política serão 'particularmente bem atendidos'. (CHOMSKY, 1993). - grifos meus

A vinculação cada vez mais estreita, a nível mundial, universidade-empresa tem haver com a atendimento dos interesses do capital e, no caso da América Latina e do Brasil em particular, estão vinculados a crescente pressão exercida pelos "novos senhores do mundo" na criação do "Estado Mínimo" . O Estado Mínimo seria mínimo para os benefícios sociais e máximo para colocar recursos públicos - incluindo aí o saber, os recursos de pesquisa, etc da Universidade - auxiliando no desenvolvimento econômico das empresas e grupos privados. Recursos não só financeiros, mas principalmente, no que tange, à educacação e mais efetivamente à universidade, redirecionar sua atuação aos interesses "nacionais", ao "desenvolvimento do país", dentro de uma concepção econômico-tecnicista dos mesmos.

Cabe aqui algumas perguntas o que significa desenvolvimento? Como se deu e está se dando no Brasil e no mundo? Como situar a Universidade neste processo?

 

DESENVOLVIMENTO, MODERNIDADE E UNIVERSIDADE

Quando se fala em desenvolvimento do país, grande parte da população, dos governantes e principalmente dos empresários, antevê indústrias, grandes empresas, máquinas, novas tecnologias em funcionamento, etc, numa visão que reduz o desenvolvimento ao seu aspecto econômico/técnico/científico.

O processo de desenvolvimento brasileiro não fugiu a esta regra e a questão do desenvolvimento social e da democracia sempre estiveram subordinados à racionalidade econômica.

A célebre frase da década de 70, do então Ministro do Planejamento/Fazenda Delfim Neto, que ainda é lembrada por muitos: " é preciso fazer crescer o bolo para depois dividí-lo", caracteriza perfeitamente o modelo concentracionista adotado no Brasil e reforçado principalmente a partir de 64, quando os empresários, artífices do golpe de 64 com os militares, chegaram e ficaram no poder.

Segundo Cristóvam Buarque, "a ditadura concentrou: das regiões rurais para os centros urbanos; dos setores sociais para o setor econômico; dos setores produtivos de bens não duráveis e de massas para os setores produtivos de bens duráveis, supérfluos e exclusivos; dos setores produtivos para os setores financeiros; da maioria marginalizada para os trabalhadores organizados em sindicatos fortes e integrados na modernidade" (BUARQUE, 1994a, p. 39/40).

Mais adiante conclui "O resultado foi a criação de um país que chegou a ser a oitava potência econômica do planeta e ao mesmo tempo a penúltima sociedade em educação e saúde, a pior em concentração de renda e uma das mais sofridas em fome e violência" (ibdem, p. 56).

É preciso ainda dizer que essa "modernidade" econômica sempre conviveu com que tem de mais atrasado como o trabalho escravo, denunciado inclusive como existente em fazendas de multinacionais, a violência das milícias particulares, os grandes latifúndios improdutivos e também sem qualquer preocupação com a destruição do meio-ambiente ou com o desenvolvimento de tecnologia nacional.

Ainda segundo BUARQUE, "quando tratado o desenvolvimento tecnológico [o era] numa perspectiva aduaneira, de facilidade de importação de máquinas"(...). o problema estava na dificuldade de importação das técnicas e não na incapacidade para inventá-las" (p.31). Isto porque a produção se baseava na quantidade da mão-de-obra e o lucro nos baixos salários. Hoje é diferente. O lucro depende do conhecimento; das novas tecnologias. É de quem chegar primeiro. Daí a importância que hoje passa a ter a Universidade para o setor econômico, o que levanta a questão da privatização do conhecimento, da democracia, assim como da autonomia, do financiamento e da avaliação da Universidade.

A modernidade econômica é excludente; é só para alguns: os que podem pagar e entrar no rol dos consumidores. Como a modernidade traz em si o desemprego de muitos, via a adoção de novas tecnologias e conseqüente redução de postos de trabalho, mais e mais pessoas se distanciam da possibilidade de consumo e tornam-se marginais à dita sociedade.

O processo de apartação social não é privilégio ou característica do Brasil. Na América Latina o fosso entre os mais ricos e os mais pobres também vem aumentando, na medida em que passa a vigorar a idéia do "Estado Mínimo", onde o Estado tem passado para a iniciativa privada vários setores como saúde, previdência, educação, além de empresas prestadoras de serviços básicos como de água e luz, que vem cortando esses serviços / mercadorias - e não direitos básicos - dos inadimplentes dos bairros mais pobres, como ocorreu recentemente na Argentina.

Em recente Seminário Florestan Fernades, destacou que: "A 'modernização' [fêz com que] o trabalho deixasse de ser uma fonte de ganho, criando os 'sem classe' .(...) mesmo nos países mais desenvolvidos, como os EUA, (...) cerca de 30% da população encontra-se numa situação de pobreza, o que leva a uma marginalidade do ser humano. (FERNANDES, 1994).

A questão do crescimento do número de pobres e miseráveis tanto nos países desenvolvidos, como nos subdesenvolvidos, tem levado ao aguçamento da violência, seja via a violência física, de dizimação de um grupo por outro, como por exemplo: os nordestinos, notadamente pobres, por grupos de São Paulo, o extermínio de menores(na maioria pretos e pobres) nas ruas, os imigrantes do 3º mundo(pobres) nos países desenvolvidos; quanto em termos de uma violência simbólica, na negação dos valores do povo. A este respeito CHAUÍ afirma: "(...) negando o direito à existência para a cultura do povo (como cultura 'menor', 'atrasada' 'tradicional') e negando o direito à fruição da cultura 'melhor' aos membros do povo, as elites surgem como autoritárias por 'essência''. (CHAUÍ, 1993)

Além da negação da cultura do povo, há toda uma mídia montada para difundir uma outra cultura, a cultura do consumo, onde o que antes deveria ser direito do cidadão, aos poucos vai sendo veiculado como uma concessão (novo projeto para a previdência; reajuste salarial, etc) ou como uma mercadoria (saúde em convênios de medicina privada; ensino em escola particulares; água, luz,etc), cada vez mais inacessível para a população com salários arrochados e mais ainda para os excluídos - e muitos deles sem perspectivas de inclusão - do mercado de trabalho. Na lógica do mercado de consumo passa a ser "normal", alguns consumirem e outros não.

Nessa conjuntura, onde e como fica a universidade?

 

UNIVERSIDADE: DEFINIÇÕES E FUNÇÕES

Segundo a legislação brasileira a universidade tem como característica a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e extensão, suas funções básicas. Contudo quê ensino, quê pesquisa, quê extensão? a serviço de quem? um saber livre e desinteressado? um saber com compromissos com grupos?

CUNHA ( 1989) proclama a autonomia da Universidade, quase que afirmando sua soberania, ao afirmar que:

"(...) a universidade produz e dissemina a ciência, a cultura e a tecnologia mediante procedimentos que lhe são próprios, desde a escolha dos temas de estudo até o ensino, forma predominante de disseminação. (...) Se outra forma de prestação de serviços - a extensão- desligar-se da produção acadêmica e do ensino, teremos um serviço governamental de assistência social (saúde, desfavelamento, alfabetização) ou uma agência de fomento às empresas (treinamento de pessoal, projetos, assistência técnica, etc). p. 70/71

Ou seja ela só estudará, pesquisará e disseminará o que seus procedimentos próprios indicarem que são válidos, sem maiores interferências provindas do mundo externo.

Numa posição em que prevê uma interferência advinda da sociedade na Universidade, BAETA-NEVES (1992) afirma que "(...) as funções do ensino superior resultariam de combinações de demandas e postulações derivadas da dinâmica sócio-econômica, política e cultural e das iniciativas espontâneas oriundas da atividade acadêmica em si mesma, da produção de conhecimento e da sua força transformadora." (p.80)

No caso quem define as demandas? Quais postulações serão atendidas e em que medida? Com a falta de recursos, quem financiará projetos sociais ou as pesquisas sem fins lucrativos imediatos?

Já VIEIRA (1989) posiciona-se mais claramente quanto a ligação da universidade com a sociedade e a quem deve servir : "[é preciso] empenhar-se na defesa de uma universidade que possa beneficiar a maioria e não colabore no pacto de exclusão social dos despossuídos. (p. 12)

A universidade pela sua origem tem um compromisso com a transformação da sociedade, com o exercício da crítica livre, com a preservação do conhecimento , com a construção de um novo saber, com a beleza, com as artes, com a cultura, mas baseados em valores da ética da democracia, da justiça e da igualdade, que nortearam a sociedade humana.

Contudo como aponta CHAUÍ, "O caráter aberto da democracia não se confunde com a utopia de uma igualdade indiferenciada (...). [o] que define a abertura democrática [é] uma outra idéia de espaço público(...) . É a elevação de toda a cultura à condição de coisa pública. Isto não significa que a ciência, a filosofia, as artes e as técnicas se tornem transparentes e imediatamente acessíveis (...); não significa que deixem de ser, em suas expressões mais rigorosas, impenetráveis para os não-iniciados. Significa apenas, que é bastante diverso considerá-las como de direito acessíveis a todos que desejem dedicar-se a elas, do que considerá-las privilégios de uns poucos." (p.209)

BELLONI (1989) defende posição semelhante ao afirmar que "A educação é um serviço ou bem público não só porque recebe recursos públicos, mas principalmente porque seus benefícios (profissionais qualificados, cidadãos conscientes, conhecimento produzido e disseminado) atingem toda a sociedade". ( p. 55 )

É certo que o governo, os empresários, os "novos senhores do mundo" e seus autores prediletos (antigos e recem-cooptados) imbuídos nos valores da produtividade, competitividade e qualidade têm interpretações particulares sobre a ética, democracia, justiça e igualdade, assim como sobre a educação, sobre o saber, sobre a universidade e seu papel na sociedade. Assim, algumas medidas já estão sendo colocadas em prática, visando enquadrar e redefinir a universidade, seu papel e suas funções na nova sociedade cibernética, consumista e das redes mundiais/regionais, das quais destaco:

a) redução dos recursos públicos para a manutenção das universidades públicas, num claro processo de sucateamento e enfraquecimento dessas instituições;

b) redução dos recursos públicos das agências de pesquisa e fomento, visando forçar a busca de parcerias com os ditos setores produtivos;

c) achatamento salarial dos docentes, fazendo com que muitos passem a achar não só normal, mas também necessário receber algo por fora para desenvolver algum projeto específico, incentivando, por essa via, o segredo das descobertas (saber), ante a possibilidade de registro de patentes, etc.

d) implantação de projetos gerais de avaliação com base nos novos pressupostos de avaliação e gerência das indústrias: "qualidade total", certificado de excelência (equivalência ao ISO 9000? ), remuneração por produtividade, etc.

e) a criação de entidades paralelas às universidades: fundações privadas, empresas juniors, incubadora de empresas, etc, o que gera poderes paralelos e incentiva o clima de disputa e a apropriação privada do conhecimento.

f) em alguns países, como no Chile, venda de prédios e instalações importantes da universidade.

g) inúmeras tentativas de desvincular o ensino, a pesquisa e a extensão como funções básicas indissociáveis da universidade, visando a criação de centros de excelência, escolões de 3º grau e centros prestadores de serviços de extensão, de assessoria, pesquisa aplicada, etc.

h) proposta de privatização do ensino superior, via não só a cobrança de mensalidades escolares, mas também via redução e controle dos recursos para manutenção e pesquisa.

As conseqüências de uma submissão direta das universidades à sociedade, sendo esta reduzida aos empresários, à indústria, enfim aos ditames do capital no seu processo de "modernização" tecnológica, já caminha a passos largos no âmbito universitário latino-americano e caminha no sentido inverso ao da democracia, como aqui mencionamos anteriormente em Chauí e Belloni, ou seja no sentido da apartação, da exclusão. FANELLI, ao relatar a criação de uma empresa junto à Universidade de Buenos Aires indica que o lucro passou a ser o ponto central para o aceite e desenvolvimento de projetos, como podemos ver a seguir: "Ao se constituir como uma empresa, A UBATEC passou a ser uma instituição cujo objetivo central é a obtenção do lucro, o qual determina que somente aceite projetos que se correspondam com tal objetivo, portanto, não se realizam aqueles que tenham unicamente por fim o interesse social.(...) " (FANELLI, 1994)- grifos meus.

Com toda a pressão sobre as universidades, basicamente cortando verbas e impulsionando-as para os braços do setor privado, como não subsumir? Somente em um ano de atividades a UBATEC faturou cerca de 600 mil dólares, segundo a autora, citando o Memoria y Balance de UBATEC,1992.

Ao que parece, pelo que assinala o novo governo, principalmente através dos pronunciamentos dos Ministros Bresser Pereira, José Serra e Paulo Renato de Souza, as universidades brasileiras terão mais "autonomia", inclusive e, talvez principalmente para buscar recursos com o setor produtivo. A palavra da moda para esta busca de recursos é "parcerias".

Onde fica o compromisso da universidade com a democracia, que pressupõe a democratização do saber, se há todo um movimento de aprisionamento e apropriação privada do saber? As brigas no GATT sobre a propriedade intelectual, sobre as patentes, sobre o controle da biodiversidade se inserem também nessa questão. Até onde essas "parcerias" poderão ir?

 

 

NOVAS RELAÇÕES ENTRE UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

Pensando em novas relações, creio que as "parcerias" só poderão ocorrer preservando a autonomia da universidade, no sentido da liberdade de objeto de pesquisa, diversidade e interdisciplinaridade de conhecimento e compromisso em contribuir para evitar a exclusão social, ou melhor, para propiciar, na medida do possível, a integração dos excluídos. A Universidade não pode atuar contra a sociedade que a mantem, ou em benefício apenas de alguns, visto que todos contribuem, direta ou indiretamente para sua existência e manutenção.

As parcerias certamente serão inevitáveis, mas é preciso pensar como tirar proveito das mesmas e fazer com que haja recursos e espaço para o desenvolvimento da pesquisa livre e desinteressada, para a tornar o saber produzido acessível à sociedade como um todo, para desenvolver projetos que não tenham por fim apenas o lucro imediato. Nesse sentido poderia haver também articulações da Universidade com o setor público no sentido do desenvolvimento de pesquisas voltadas para a busca de alternativas para a construção de moradias para a população de baixa renda; trabalhos de zonenamento urbano; saneamento básico, saúde, educação, etc.

Enfim, é preciso negociar essas parcerias de forma a garantir a autonomia acadêmica, didático e científica da universidade numa perspectiva democrática. Para tanto torna-se imprescindível um grande esforço de aproximação da Universidade com os diversos atores da sociedade civil ( Empresários, Sindicatos, Organizações não-governamentais, etc) e do próprio setor público, hoje ainda bastante distanciados.

Dentro da própria universidade há aqueles que já incorporaram a idéia da apropriação privada do saber e de 'naturalidade" de sua mercantilização e pregam sua total vinculação ao mercado, com a criação de fundações, empresas jrs, etc, que passam quase que a direcionar toda a atividade da universidade, seja adminsitrativa, seja acadêmica.

Há também outros grupos que pensam a universidade pública, como propriedade privada; como seu feudo; sua propriedade; local de trabalho e benefícios, atuando assim no sentido do aumento das atividades-meio, perdendo-se no emaranhado burocrático-administrativo, seja à nível da administração central, nas unidades, departamentos, etc, tornando-as impenetráveis à dinâmica social e ao que deve ser a própria atividade-fim da universidade: ensino, pesquisa e extensão, articulados e comprometidos em não aumentar a exclusão social, como destacou VIEIRA. Esse último grupo atua como uma "monstro auto-fágico" que emperra e dificulta qualquer forma de articulação séria da Universidade com a sociedade - a não ser aquela que possa trazer benefícios imediatos e, normalmente numa perspectiva assistencialista, de prestação de serviços, completamente desarticulada e, mais ainda, desarticuladora do ensino, da pesquisa e da extensão. Ou seja não pensam a universidade como uma totalidade, mas sim como seu feudo e, para preservá-lo atuam corporativamente, rejeitando qualquer crítica, ou perspectiva da inclusão de novos atores, no que poderia vir a ser um processo de abertura e arejamento da instituição universitária.

Talvez uma possibilidade para a realização de parcerias seja a de negociar, com o apoio e a adesão dos grupos sociais organizados ( ONG'S, Centrais Sindicais, Associações empresariais progressistas, etc e quem sabe chegar aos setores sociais excluídos, estes últimos via fortalecimento de associações de meninos de rua; prostitutas; núcleos da Campanha da Cidadania contra miséria e pela vida, etc) , parcerias e convênios que assegurem um percentual de recursos livres para que a universidade aplique nas pesquisas e atividades que mais lhe aprouver, mas concebendo-as numa perspectiva de bem público.

Vejo como uma grande tarefa para Universidade pensar em como articular as diferentes demandas e, ao mesmo tempo articular o ensino, a pesquisa e a extensão, numa perspectiva de construção da democracia e dos direitos.

Outra tarefa que a universidade pode e deve insistente e urgentemente fazer, no seu papel de ente crítico da sociedade, é o de questionar e por às claras o processo de modernização excludente que está em curso, levando a sociedade a um questionamento sobre temas como desenvolvimento, qualidade de vida , valores, etc, restaurando-se assim como "locus"privilegiado para o exercício da crítica social, desvelamento da realidade, universalidade de saberes, antevisões de futuro e proposições de alternativas.

 

BIBLIOGRAFIA:

BAETA NEVES, Clarissa E. "Funções do ensino superior hoje". IN: Universidade e Educação. Campinas: Papirus; SP: ANDE:ANPEd, 1992.(Coletânea CBE).

BUARQUE, Cristóvam. A Revolução das prioridades: da modernidade técnica à modernidade ética. RJ, Paz e Terra, 1994(a).

BUARQUE, Cristóvam. A aventura da universidade. RJ, Paz e Terra, 1994 (b).

CASTRO, Cláudio M. "As trapalhadas do ensino superior". Educação Brasileira: consertos e remendos. RJ, Rocco, 1994.

CHAUÍ, Marilena. Cultura e Democracia. SP, Cortez, 6ª ed., 1993.

CHOMSKY, Noam."Novos senhores da humanidade". Folha de São Paulo. Caderno Mais, 25/4/93, p.18.

CUNHA, Luiz A. Qual Universidade? SP, Cortez/Autores Associados, 1989.

FANELLI, Ana M.G. "Universidad Nacional y Sector Productivo". MOROSINI, M.C. (org). Universidade no Mercosul.SP, Cortez, 1994. p.123-148.

FÁVERO, Mª de Lourdes A. "Universidade: democratização e qualidade do trabalho acadêmico". Perspectiva. SC., Florianópolis, UFSC, Revista do Centro de CIências da Educação, v.7, (13) : 9-28, jul/dez 1989.

FLORESTAN, Fernandes. Anotações sobre palestra proferida no II Seminário "Uma pauta para a educação nacional". Brasília, dezembro/94.

MOLLIS, Marcela. "La evaluación de la Calidad Universitaria Argentina". MOROSINI, M.C. (org). Universidade no Mercosul.SP, Cortez, 1994. p.103-122

WOLFF, Robert Paul. O ideal da universidade. SP, UNESP, 1993.

VERGER, Jacques. As universidades na idade média. SP, UNESP,1990.

VIEIRA, Sofia L. "A democratização da Universidade e a socialização do conhecimento". In: FÁVERO, Mª. de Lourdes A.(org) A Universidade em questão. SP, Cortez/Autores Associados, 1989.

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