A identidade do professor universitário

Marisa T. D. S. Baptista

 

O trabalho procura apronfundar o conhecimento da realidade profissional do professor universitário, clarificando alguns aspectos de sua identidade coletiva e individual através da explicitação do movimento de relações que se estabelecem entre as histórias pessoais, grupais e institucionais ao longo do tempo.

Identidade coletiva está sendo entendida aqui tanto como aquela vivida no Brasil pelo conjunto total de professores universitários e que se transforma segundo as diferentes épocas históricas, quanto aquela pertinente aos diferentes sub-grupos que possuem algumas características particulares comuns - por exemplo os professores universitários das universidades federais, das particulares, das estaduais, das escolas isoladas.

Identidade individual refere-se ao movimento que cada um dos professores efetua através das relações que estabelece com os grupos mais próximos e mais distantes configurando combinações de igualdade e de diferença em relação a si próprio e aos outros.

A identidade coletiva foi estudada em dois níveis. No nível mais geral, partiu-se da reconstituição histórica da universidade brasileira e da conseqüente vivência do professor na mesma, para apontar os momentos em que ocorrem fragmentações neste todo gerando sub-grupos com diferenciações evidentes nos objetivos e na forma de trabalhar.

Para entender esta situação de fragmentação em um nível mais particularizado, foram escolhidas duas instituições: a U.S.P. e a P.U.C - S.P. Elas foram também objeto de uma reconstituição histórica - que possibilitou a clarificação dos movimentos de identidade institucional.

Estes estudos históricos se fizeram através de pesquisa bibliográfica, complementada no caso da P.U.C - S.P. por uma documentação oral.

O movimento da identidade individual foi possibilitado pelo estudo da história de vida de três professores: dois da U.S.P. e um da P.U.C. - S.P. Foram utilizados para tanto entrevistas, análise documental - consulta de obras, currículo, outras entrevistas publicadas - e o depoimento de informantes que conviveram com o professor.

A análise de todos estes dados foi realizada em dois momentos: no primeiro trabalhando com cada uma das histórias em profundidade - levantando-se todos os pormenores e especificidades e em seguida efetuando-se descrições de cada uma das unidades - e no segundo comparando-se as histórias entre si para evidenciar os elementos comuns, as particularidades, o que permanece estável, o que se transforma, assim como as relações do individual com o social.

Ao final deste processo foram apontados alguns aspéctos significativos do desenvolvimento da identidade individual e coletiva.

Em termos da identidade coletiva foi verificada a ocorrência de "metamorfose" em dois momentos. Na década de 30 - a partir dos ideais das Faculdades de Filosofia e do surgimento do profissional "professor universitário" se destaca um grupo de professores, principalmente da área de ciências humanas, que ultrapassa o nível do discurso, traduzindo em ações sua perspectiva de mudanças necessárias para a sociedade brasileira. Esta situação caracteriza pela primeira vez na história da universidade brasileira uma metamorfose na identidade dos professores.

A partir do movimento de 1964 esta identidade indesejada precisa ser reprimida e ai se instala uma situação paradoxal, que definiu e define a política de identidade do professor universitário e que revela claramente a manipulação da mesma a partir desta data.

A intenção desenvolvimentista do governo atribui à universidade e conseqüentemente a seus professores a propulsão do desenvolvimento, concebida de forma totalmente técnica, sem nenhuma preocupação com o social. Instala-se então a versão modernizante e empresarial da universidade.

 

 

Dois processos opostos de legitimação são instituídos. O primeiro deles representando uma versão positiva de legitimação, cria um discurso educacional que valoriza a instituição e o profissional atribuindo aos mesmos a importante função de formar a mão de obra técnica, necessária para o desenvolvimento previsto.

O segundo deles representando a versão negativa da legitimação, retira a competência do professor através de dois mecanismos. O mais aparente se concretizou através das ações de grupos externos-elite política, econômica, social e internos-professores não profissionais (profissionais liberais) que se utilizaram de mecanismos de pressão, coersão e controle das ações e discursos dos professores. O rebaixamento salarial e cultural também estão incluídos nesses mecanismos.

O outro mecanismo negativo - manipulação simbólica da imagem do professor - atribui ao mesmo uma desvalorização social representada pela figura estereotipada de incapaz, utópico e subversivo.

A vivência deste paradoxo faz com que até hoje o professor se encontre paralisado em relação a possibilidade de construir sua própria identidade. Consciência, discurso e ação se encontram desconectados impossibilitando-os de assumir seu próprio destino.

Relacionada a identidade individual foi observado que o início de seu desenvolvimento foi possibilitado pelo contacto próximo e constante com "grupos de referência" (conjunto de pessoas com características semelhantes). A diversidade de tais grupos parece facilitar o processo de autonomia de "eu". A convivência hoje com o "estigma" (aspectos negativos atribuídos) dificulta a aproximação a vários grupos de referência. O que tem acontecido é uma aproximação a um único grupo de referência e o afastamento dos demais (associadas ao estigma). Também contactos "positivos, próximos e constantes" dificilmente ocorrem na atual estrutura tecnista e burocratizada do ensino superior. A ocorrência destes diferentes fatores acaba impedindo o estabelecimento de identificações e conseqüentemente a autonomia do "eu".

 

 

Minha intenção nesta exposição foi a de deixar de lado várias questões ligadas ao tema, e me centrar exclusivamente na questão da política de identidade, por ser este um mecanismo universal sempre subjacente ao desenvolvimento de qualquer identidade. Portanto, qualquer pesquisa na área terá que necessariamente passar pelo desvelamento da política de identidade.

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