CONSIDERAÇÕES SOBRE A DINÂMICA ECONÔMICA E O ENSINO SUPERIOR NO PLANO INTERNACIONAL.

Nivalde J. Castro

Introdução

No período compreendido entre o final da II Grande Guerra e o início dos anos 90, a educação passou por profundas transformações, de alcance mundial que podem ser divididas em duas fases distintas. Na primeira fase, que se estende até meados dos anos 70, ocorreu uma "explosão" no crescimento dos sistemas educacionais em praticamente todos os países do mundo. Os principais indicadores educacionais apresentaram crescimento antes nunca verificado em qualquer período da humanidade. O total estimado das matrículas escolares nos três níveis de ensino saltou de 220 milhões em 1950, para 760 milhões em 1975. O número estimado dos professores no mundo, para os três níveis, passou de 7,9 milhões em 1950 para 32,3 milhões em 1975. No tocante aos gastos públicos no setor, os dados estimados indicam que, em 1965, 4,9 % do PNB mundial eram aplicados em educação, representando cerca de 95,7 bilhões de dólares correntes. Em 1975, os gastos educacionais representaram 5,8 % do Produto Nacional Bruto (PNB), totalizando 348,6 bilhões de dólares. (Unesco, 1965 e 1992) Entre os três níveis de ensino, o ensino superior foi o segmento que apresentou tamanha expansão que sua performance passou a ser conhecida por "explosão" do ensino superior.

A segunda fase teve como entorno a súbita elevação do preço do petróleo ocorrida em fins de 1973, quando teve início uma crise econômica de âmbito internacional. Neste quadro macroeconômico recessivo, a manutenção do ritmo de expansão do volume de recursos públicos aplicados no setor passou a sofrer dificuldades.

A análise da relação entre crescimento econômico, gastos públicos com educação e sistemas educacionais, em particular o ensino superior, passou a ser um campo importante de estudos no âmbito da economia da educação, conforme pode-se constatar através dos estudos de Coombs (1976), Lewin (1986), Orivel (1986), Reimers (1989) Eicher e Chevaillen (1991) e Hallack (1991). No entanto, estes estudos apresentam divergências quanto à determinação do grau de influência da dinâmica da economia sobre a educação. Duas questões merecem destaque. A primeira refere-se às diferenças de comportamento entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. A segunda centra-se na melhor performance do ensino superior nos países em desenvolvimento em relação aos outros níveis de ensino.

Frente a estas divergências, expostas na próxima seção, este trabalho pretende examinar o comportamento da relação entre o PNB, gasto público com educação e evolução dos indicadores dos sistemas educacionais, em particular do ensino superior, nos períodos de expansão e recessão econômica. Pretende-se verificar a hipótese de que os gastos com educação e a expansão dos sistemas de ensino nos países em desenvolvimento foi menos afetada pela crise econômica do que os países mais ricos

Fundamentação Teórica e Questões Metodológicas.

A base teórica a ser utilizada neste trabalho está assentada no trabalho de Lewin (1986). Segundo Reimers (1989), o estudo realizado por Lewin é uma referência analítica importante por ter desenvolvido um marco teórico sobre as relações entre crise econômica, gasto público na educação e sistemas educacionais. Esta formulação assume que fatores e variáveis sociais explicam o comportamento da relação entre economia e educação, questionando, explicitamente, a incapacidade da teoria do capital humano explicar a dinâmica desta relação.

Um dos elementos da construção do modelo teórico de Lewin é a definição de uma classificação para os fatores de contração e expansão dos gastos públicos com a educação. No grupo dos "fatores restritivos" são identificados dois tipos. No primeiro estão agrupados os fatores que influenciam a capacidade dos gastos: o volume total de gastos públicos e a parcela destinada ao orçamento educacional. Neste grupo encontram-se basicamente variáveis econômicas: custo de energia, câmbio, termos de intercâmbio, inflação, serviço da dívida, etc. O segundo tipo de fatores restritivos, denominados de "fatores de vontade", alguns de natureza social, indicam a prioridade da educação no orçamento nacional, que se reflete nas decisões internas aos governos relativas à distribuição dos recursos (p.225). Entre estes fatores destacam-se: nível de desemprego das pessoas instruídas; migração de pessoas instruídas; intensificação da qualificação (fenômeno derivado do acirramento da concorrência no mercado de trabalho, sem justificativa do ponto de vista intrínseco ao trabalho); "obsessão" por diplomas (p.230). Em oposição a estes dois conjuntos de fatores restritivos, existem os "fatores compensatórias" (p. 231), que pressionam o aumento dos gastos educacionais: demanda social; crescimento demográfico; progressão hierárquica dos salários, etc.

Do ponto de vista metodológico, serão analisadas as relações entre três conjuntos de variáveis. A variável macroeconômica, a ser utilizada, é o desempenho dos países, medido pelo PNB. As variáveis educacionais são de duas naturezas: econômicas e educacionais (físicas-quantitativas). As variáveis econômicas estão relacionadas ao gasto público com educação - GPE - e as variáveis educacionais são dados e indicadores intrínsecos aos sistemas de ensino. Estes três conjuntos de variáveis serão examinados, sempre que possível, no período entre 1950 a 1990, e serão apresentados para o mundo, continentes e grupos de países: desenvolvidos e em desenvolvimento, seguindo classificação estabelecida pelo Word Bank (1988). As séries estatísticas utilizadas foram elaboradas pela Unesco (1960-1992). Para análise da evolução física dos sistemas de ensino são utilizadas as variáveis matrículas escolares e taxa bruta de escolarização. Estes dados referem-se aos estabelecimentos de ensino público e privado nos três níveis de ensino. Não estão incluídos os valores do ensino pré-primário, educação especial e educação de adultos. Uma séria limitação analítica, que deve ser destacada, é a impossibilidade de recorrer ao cruzamento de dados entre variáveis físicas e financeiras. Esta limitação está vinculada ao fato dos dados sobre as matrículas referirem-se aos estabelecimentos de ensino públicos e privados, enquanto os dados sobre gastos educacionais são exclusivamente oriundos de recursos públicos, alocados basicamente em instituições públicas de ensino. Outra limitação é a falta de informações diferenciadas para os gastos públicos com o ensino superior.

Revisão da Literatura.

Conforme assinalado, na literatura sobre este assunto encontram-se divergências sobre a influência da crise econômica nos sistemas educacionais. A seguir são examinados alguns destes estudos.

A referência ao trabalho de Coombs (1976) merece destaque por ter o autor verificado a existência de problemas de financiamento dos gastos em educação antes mesmo de ter se iniciado a crise econômica mundial em 1974. Em fins dos anos 60, Coombs analisou as influências econômicas, sociais e políticas, que vinham ocorrendo no mundo, sobre a educação. A tese central era que uma série de transformações - conceitualizadas como "revoluções convergentes de amplitude mundial"- estavam gerando desajustes nos sistemas educacionais. Os sistemas educacionais mostravam-se incapazes de atender plenamente as demandas da sociedade por maior escolaridade, fazendo surgir, como conseqüência, resistências internas e externas à expansão dos sistemas educacionais. Ao nível endógeno dos sistemas educacionais, a sua inércia e apatia agiram como fatores de entrave ao seu desenvolvimento. Ao nível exógeno, o rápido crescimento dos sistemas educacionais passou a encontrar limites de ordem financeira, na medida que os custos médios apresentavam tendência ascendente, notadamente no segmento do ensino superior.

Lewin (1986) analisou o financiamento da educação nos EUA e Reino Unido, no período de 1975-1983. As evidências apresentadas por Lewin indicam que, nestes países, os governos impuseram reduções nos níveis de gastos educacionais, determinadas por quatro fatores. O primeiro foi a recessão econômica que limitou o incremento da renda governamental. O segundo foi a elevação dos níveis de desemprego, passando a demandar parcelas expressivas e crescentes do orçamento social. O terceiro foi o direcionamento dos gastos públicos para outros setores, notadamente, para os gastos com defesa. Por último, a redução das subvenções governamentais para os estudantes, provocando, em parte, a transferência destes gastos para as famílias. As restrições e diminuições nos orçamentos educacionais destes dois países concentraram-se, principalmente, na órbita da educação não obrigatória: ensino superior e pré-escolar, onde não há obstáculos constitucionais à diminuição dos gastos. Para Lewin o comportamento verificado nestes dois países pode ser estendido a maioria dos países desenvolvidos. Tal argumento está baseado em estudo do World Bank (1984), cujos resultados indicaram que em nove países desenvolvidos, somente a Austrália aumentou a participação relativa dos gastos públicos com a educação no período de 1972-1981 (p. 232).

Em relação aos países em desenvolvimento, Lewin não constatou uma tendência definida e homogênea de redução dos gastos educacionais, como o verificado nos países desenvolvidos. Tal constatação encontra-se baseada no estudo do World Bank (1984) e em Lewin, Little e Colclough (1982). Como conseqüência o autor destaca, por um lado, a configuração de um cenário mais heterogêneo no comportamento dos gastos públicos com educação nestes países e, por outro, que neles observou-se uma elevação no número de matrículas, motivada pelo crescimento demográfico e pela demanda social.

Estudo de Psacharopoulos e Steier (1986) em relação aos países em desenvolvimento, buscou uma correlação entre o serviço da dívida externa e os gastos públicos com educação e saúde. Como hipótese central, estabeleceram que o aumento dos gastos com o serviço da dívida externa provocaram redução dos gastos educacionais para 125 países no período 1975-1985. As conclusões da pesquisa indicaram que em todas as regiões do mundo ocorreram reduções nas inversões governamentais em educação. Na América Latina a queda foi maior na medida que, neste continente, encontram-se os maiores níveis de participação dos dispêndios com o serviço da dívida externa no total dos gastos públicos.

Em Reimers (1989) é realizada uma análise visando verificar o nível de correlação entre a crise econômica e o comportamento das despesas públicas educacionais em países da América Latina no período de 1980-1987. O estudo utiliza como indicadores macroeconômicos da crise, somente variáveis relacionadas à dívida externa, seguindo, em parte, a mesma metodologia de Psacharopoulos e Steier (1986). Esta metodologia limita a capacidade explicativa da análise, na medida em que estabelece uma correlação entre dívida externa e crise econômica. Os resultados finais da pesquisa indicaram que a dívida externa responde por 30 % da variação dos gastos públicos com a educação, ficando, na opinião Reimers, comprovada a hipótese original, de que "a prioridade do gasto educativo na América Latina diminuiu durante a crise econômica" (p. 9).

Para Lewin (1986) e Reimers (1989), entre outros, o segmento do ensino superior foi o menos afetado pela crise econômica. A razão disto estaria diretamente associada às pressões sociais de demanda, interessadas em garantir o acesso às matrículas e ao maior poder político deste segmento em relação ao poder executivo e legislativo.

Gastos Públicos com Educação.

A análise dos gastos públicos realizados no setor educacional tem como base empírica as estimativas elaboradas pela Unesco (1965-1992), apresentadas na Tabela 1. Com base nestes dados é possível observar os reflexos da dinâmica de crescimento e crise econômica internacional sobre a evolução dos GPE. Na fase de expansão das economias mundiais (1965-1975) os GPE cresceram em todas as regiões do mundo, mas de forma diferenciada entre os países ricos e pobres. Enquanto nos países desenvolvidos a taxa média de crescimento anual foi de 6,8%, nos países em desenvolvimento o crescimento foi de aproximadamente 11%. A partir da deflagração da crise mundial, os efeitos sobre os GPE se fizeram sentir, já no qüinqüênio 1975-80, com mais intensidade sobre os países desenvolvidos: a taxa média de crescimento dos GPE caiu para 0,13% a.a. Neste grupo de países merece destaque o crescimento negativo de 5% a.a. da América do Norte. Por outro lado, os países em desenvolvimento conseguiram, neste qüinqüênio, contrapor-se, de maneira expressiva, aos esperados efeitos da crise sobre os GPE. O total destes gastos aumentou de 81 para 125 bilhões de dólares, representando taxa média de crescimento anual de 9,0%. Nos anos seguintes, o agravamento da crise mundial teve reflexos negativos sobre os dois conjuntos de países no ano de 1985; mas em 1990, conseguiram recuperar o nível dos GPE. No período de 1975-1990, a taxa de crescimento anual foi de 3,8 % para os países desenvolvidos e de 6,3 % para os países em desenvolvimento. Valores estes bem menores do que os verificados na fase de prosperidade econômica, mas mantendo o crescimento mais favorável nos países em desenvolvimento.

A análise do GPE centrada exclusivamente nos valores absolutos limita a percepção da complexidade da relação entre economia e educação. Para minorar está limitação, é necessário relacionar o GPE com a variável PNB. Ao se estabelecer está relação, obtém-se, como resultado, o grau de participação do GPE no PNB. Este indicador pressupõe que a capacidade pública de financiamento da educação está relacionada com a geração da riqueza nacional. Indica também o esforço de financiamento e a prioridade dada à educação.

A Tabela 2 apresenta os valores estimados para a relação GPE/PNB. Verifica-se que os países desenvolvidos foram os mais afetados pela crise econômica. na medida em que ocorreu uma queda, entre 1975 e 1980, de 6,4 % para 5,4 % na participação dos GPE no PNB, declinando para 5,2 % em 1990. Nos países em desenvolvimento, a crise não reduziu a participação dos GPE no PNB. Ao contrário, ela manteve-se, até 1990, no patamar dos 3,9%. Desta forma, constata-se que os GPE em relação PNB dos países em desenvolvimento mostraram uma rigidez à queda durante o período da crise econômica. Este fato pode ser interpretado como indicador da prioridade que a educação teria recebido das políticas públicas nestes países.

Para buscar as causas que possam explicar o comportamento das variáveis acima analisadas, serão examinadas, a seguir, a evolução das variáveis educacionais dos sistemas de ensino.

Evolução dos Sistemas de Ensino.

A matrícula escolar é o principal indicador educacional dos sistemas de ensino, fornecendo elementos para uma mensuração quantitativa da evolução destes sistemas. A tabela 3 apresenta dados estimados sobre o total das matrículas escolares por nível de ensino e grupo de países desenvolvidos e em desenvolvimento. Analisando, em primeiro, os países desenvolvidos, observa-se que as matrículas escolares do primeiro grau tenderam para uma estabilização em torno dos 110 milhões de matrículas. Comportamento diferente foi verificado nas matrículas do segundo grau. Numa primeira fase, de 1950-75, o número de estudantes praticamente triplicou, passando de 30 para 91 milhões, com taxa média anual de 4,5%. A partir de 1975 as matrículas deste segmento ficaram estabilizadas em 90 milhões. No caso do terceiro grau o crescimento foi contínuo, sendo este o segmento que apresentou a maior taxa de crescimento (4,8% a.a.), passando de 5 para 35 milhões de matrículas. Os países em desenvolvimento apresentaram o mesmo padrão de crescimento das matrículas. Todos os níveis de ensino cresceram, mas as taxas de expansão foram menores no primeiro grau, sendo seguidas do segundo e terceiro grau. Entre 1950 e 1990, as matrículas multiplicaram-se por 5, 20 e 27 vezes no primeiro, segundo e terceiro grau, representando taxas de 4,5%, 7,9% e 8,7 % a.a.,respectivamente.

O comportamento das taxas de crescimento das matrículas por período cronológico (1950-75 e 1975-90) oferece elementos para a análise da relação economia-educação. Na fase de expansão econômica, nos países desenvolvidos as matrículas do primeiro, segundo e terceiro grau cresceram, respectivamente, 0,1%, 4,5% e 6,6%. Nos países em desenvolvimento, as taxas foram de 5,5%, 9,7% e 10,3%. Durante o período de recessão econômica as taxas caíram, nos países desenvolvidos, para -0,2%, -0,1% e 1,9%, respectivamente. Enquanto que nos países em desenvolvimento, as taxas reduziram-se para 2,8%, 5,0% e 6,1%. Estes dados indicam claramente que os países em desenvolvimento foram, do ponto de vista quantitativo, menos prejudicados pela crise econômica. Por outro lado, as matrículas do ensino superior foram as que mais se expandiram.

A questão que se coloca é saber em que medida a diferença de variação das taxas de crescimento das matrículas escolares entre os grupos de países é explicada exclusivamente pela dinâmica macroeconômica. A base teórica deste trabalho, fundamentada no estudo de Lewin (1986), é que outros fatores podem explicar o comportamento das matrículas e, por conseguinte, os GPE. Entre estes fatores podem ser destacados: crescimento populacional; taxa de urbanização e grau de cobertura populacional dos sistemas de ensino.

Em relação à variável população, os dados da UNPD (1991), para os países em desenvolvimento, indicam taxa média de crescimento populacional de 2,3% a.a. entre 1960-1990 A estimativa para o período de 1990-2000 foi de 2,0% a.a. Para os países desenvolvidos as taxas foram de 0,8% e 0,5% a.a., respectivamente. Em função destes dados, fica evidente que o aumento da população dos países menos desenvolvidos tende a exerce maior pressão sobre a oferta das matrículas escolares. Como conseqüência é de se esperar que haja maior resistência aos cortes dos GPE em oposição aos processos de ajustes macroeconômicos, que sob orientação do Fundo Monetário Internacional (FMI), propugnam, como principal mecanismo de ajuste, a contenção dos gastos públicos. (Liechtensztejn & Baer, 1987)

O segundo fator explicativo é o processo de urbanização verificado nos países em desenvolvimento. Nestes países, diferentemente dos países desenvolvidos, verificou-se um maior fluxo migratório das áreas rurais para os núcleos urbanos, aumentando o contingente populacional urbano, e provocando aumento da demanda sobre os sistemas de ensino. Os dados da UNPD (1991) estimam taxa média de urbanização de 4,0% a.a. para os países menos desenvolvidos no período de 1960-1990. Para os países desenvolvidos esta taxa foi bem menor, situando-se em 1,4% a.a.

O terceiro fator está relacionado com o grau de cobertura educacional por faixas etárias, medido pela taxa bruta de escolarização. Este indicador expressa a relação entre o total das pessoas matriculadas em um dos níveis de ensino e o total da população na faixa etária correspondente ao nível de ensino; ele mede, portanto, somente o fluxo de escolarização de um determinado nível, não fornecendo elementos precisos sobre o estoque de "não escolarizados". Em função das características deste indicador é possível afirmar que quando um determinado nível de ensino tem sua taxa de escolarização próxima de 100%, o aumento das matrículas irá depender basicamente de fatores populacionais. Com este argumento pretende-se provar de que com o avanço do grau de cobertura dos sistemas de ensino nos países desenvolvidos no primeiro e segundo grau, a pressão sobre as matrículas e, por suposto, sobre os GPE não foi tão marcante, favorecendo a adoção de cortes orçamentários vinculados às políticas de ajuste macroeconômicos. Em situação oposta estariam os países em desenvolvimento.

A tabela 4 apresenta os valores das taxas brutas de escolarização por nível de ensino para os dois grupos de países no período de 1960-1990. Nos países desenvolvidos percebe-se que a política social de obrigatoriedade do primeiro grau conseguiu atingir seus objetivos em 1960, quando praticamente toda a população em idade escolar encontrava-se matriculada. No segundo grau o processo de incorporação da sua faixa etária avançou bastante, de tal forma que somente 7,5% da população-alvo ficou fora do sistema educacional em 1990. O terceiro grau foi o segmento onde a taxa de escolarização mais cresceu, passando de 13,5% para 38,8% ao longo do período em questão. Nos países desenvolvidos, pode-se concluir que as matrículas do 1º e 2º graus não exerceram pressão adicional para a ampliação dos GPE devido a dois fatores. O primeiro é a taxa de escolarização que, para o primeiro grau, indica ter atingido toda população em 1960. No caso do 2º grau , ela estabiliza-se em 1975. O segundo fator é o baixo crescimento da população e da taxa de urbanização. Em relação ao 3º grau a situação mostrou-se diferente. A taxa de escolarização deste segmento foi, ao mesmo tempo, a menor e a que apresentou maior taxa de crescimento. Neste sentido, este segmento tendeu a exercer maior pressão sobre os gastos. Contudo, parte desta pressão foi canalizada para os orçamentos familiares. Tratou-se de uma política pública deliberada com o objetivo de reduzir a pressão sobre os gastos públicos. (Lewin, 1986)

Nos países em desenvolvimento a taxa de escolarização pode ser considerada como um fator que influenciou o aumento dos GPE e, por conseguinte, a sua participação no PNB. Esta interpretação tem como argumento central o "atraso educacional" em que se encontravam os países em desenvolvimento. A partir do Pós-Guerra estes países passaram a desenvolver esforços com o objetivo de superar este atraso. Este movimento fica evidente através dos dados da tabela 4. Em 1960, as taxas brutas de escolarização indicavam um baixo grau de cobertura escolar da população. Somente 36,7% da população em idade escolar encontrava-se matriculada. Em 1990, o grau de cobertura tinha atingido 52 %. Tal esforço atesta a importância dada à educação por estes países. No primeiro grau quase foi alcançada a taxa de escolarização de 100% a partir de 1985. No 2º grau, o crescimento foi expressiva, mas mesmo assim, mais da metade da população em idade escolar ainda encontrava-se fora dos bancos escolares. No caso do ensino superior nos países em desenvolvimento, as taxas brutas de escolarização eram relativamente as mais baixas. Durante o período em análise, este foi o segmento que apresentou o maior crescimento da taxa de escolarização, mesmo durante o período de recessão econômica. A causa deste comportamento está associada a vários fatores. Em primeiro, destaca-se o que se denomina por "efeito onda": o crescimento das matrículas do níveis anteriores, em especial do segundo grau, capacita um maior contingente populacional a pleitear o acesso ao ensino superior. Em segundo, a reversão das condições do mercado de trabalho, derivadas da crise econômica, não foram suficientes para diminuir a procura por vagas nas IES.

Em relação ao comportamento dos gastos públicos com o ensino superior, destacam-se duas tendências. A primeira é uma tendência à expansão dos gastos. De acordo com Bowen, (1980) e Coombs (1976) este segmento de ensino apresenta custos médios mais altos que os demais. Neste sentido, na medida em que cresceu a taxa de escolarização, os gastos tenderam a aumentar a sua participação no total dos GPE. Em oposição a esta tendência, encontra-se o crescimento das matrículas nas Instituições de Ensino Superior particulares, conforme assinalado por Garcia-Guadilla (1988) e Tilak (1991).

Conclusão

As diferenças educacionais entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento expressam as disparidades econômicas e sociais que tem suas causas em um grande conjunto de fatores históricos, culturais, sociais, etc. Nos países desenvolvidos a educação passou a receber uma atenção especial por parte dos governos em torno de meados do século passado, a partir da constatação de que o nível educacional da população exercia papel positivo no processo de desenvolvimento econômico (Castro, 1990). Como conseqüência, crescentes parcelas dos recursos públicos passaram a ser canalizadas para gastos com educação, amparadas por modificações constitucionais. O resultado destes gastos indicavam, já na metade do século XX, que grande parte da população em idade escolar encontrava-se matriculada nos estabelecimentos escolares do 1º grau.

Nos países em desenvolvimento, de maneira geral, foi somente a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, é que passam a reconhecer a necessidade de investir no setor educacional, em função da estratégia de promover o desenvolvimento econômico. Em torno dos anos 50, as diferenças dos indicadores educacionais com os países mais desenvolvidos era muito grande, fato este que se pode definir como "atraso educacional". A partir desta década, a maioria dos países em desenvolvimento - mesmo frente às diferentes dificuldades de obtenção de recursos, inerentes ao estágio de desenvolvimento econômico - passaram a destinar parcelas relativamente crescentes de recursos públicos ao setor educacional.

No entanto, quando a economia mundial ingressou, a partir de 1974, na fase de recessão econômica, o comportamento dos GPE passam a apresentar diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Era de se esperar que os países em desenvolvimento impusessem reduções nos GPE maiores (em termos relativos) do que os países mais ricos, em função das pressões internas e principalmente externas para a adoção de programas de estabilização econômica. Tomando por base os dados da Tabela 1 e 2 constata-se, através do cálculo das taxas médias anuais, que os países em desenvolvimento diminuíram relativamente menos os GPE do que os países desenvolvidos.

Desta forma, em função do comportamento das variáveis econômicas e educacionais, pode-se concluir que fatores não econômicos explicam o comportamento dos GPE e do crescimento dos sistemas educacionais dos países em desenvolvimento. Entre estes destacam-se o crescimento populacional, a urbanização e principalmente o "atraso educacional". Estes fatores de pressão agiram como freio à adoção das políticas de ajuste macroeconômicos fixadas pelo Fundo Monetário Internacional e por outras instituições financeiras internacionais. Um dos principais instrumentos dos planos de ajuste era o corte nas despesas públicas, destacando-se, neste caso, as reduções nos orçamentos do setor educacional. (Reimers, 1989)

No tocante aos países em desenvolvimento, o atraso educacional do ensino superior, medido pela taxa de escolarização, destaca-se outra causa que explica o aumento das matrículas. Trata-se da pressão de segmentos sociais, notadamente de classe média, que impedem a diminuição da oferta de matrículas e, conseqüentemente, dos gastos públicos alocados neste segmento. Na opinião de Hallack (1991) e Lewin (1986), entre outros, as esta causa pode-se associar o prestígio, influência política e maior autonomia relativa das IES. Desta forma, mesmo com o crescimento das matrículas vinculadas às instituições particulares, as pressões sobre os orçamentos públicos, fizeram com este segmento dos sistemas de ensino dos países em desenvolvimento fosse o menos prejudicado na fase de recessão econômica.

Referências Bibliográficas

Bowen, Howard R. The Cost of higher education. San Francisco: Jossey-Bass, 1980.

Castro, Nivalde J. Economia e educação: da escola clássica à teoria do capital humano. Rio de Janeiro: FEA-UFRJ, 1990.

Coombs, Philip H. A Crise mundial da educação. São Paulo: Perspectiva, 1976.

Eicher, Jean-Claude. La rentabilité de l'investissement humain. Reanding in economics of education. Paris: UNESCO, p.341-383, 1968.

Eicher, Jean-Claude, Chevailler, Thierry. Replanteamiento de la financiación de la educación postobligatoria. Perspectivas, Paris, v. 21, n. 2, p. 279-300, 1991.

Garcia-Guadilla, C. Expansion y diferenciacion del sector privado de la educacionsuperior en America Latina. Educación Superior, Caracas, v. 26, p. 37-64, jul. / dez.1988.

Hallak, J. Invertir en el futuro. Paris: UNESCO - Tecnos, 1991.

UNDP. Human development report. New York: United Nations Development Programme, 1991.

Lewin, Keith. Le financement de l'éducation en période de récession. Perspectives. Paris, 6 (2), p. 237-254, 1986.

Lewin, K. et al. Adjusting to the 1980s: taking stock of educational expenditure. Financing Educational Development. Ottawa: CIDE,1982.

Liechtensztejn, Samuel e Baer, Mônica. Fundo Monetário Internacional e BancoMundial: estratégias e políticas do poder financeiro. São Paulo: Brasiliense, 1987.

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Orivel, François. Crise économique et crise de l'education: quelques perspectives. Perspectives, Paris, 16 (3), p. 215-223. 1986.

Psacharopoulos, G., Steier, F. Foreign debt and domestic spending: an international comparison. Washington: Word Bank, 1987.

Reimers, F. El Costo educativo de la deuda externa. Implicaciones para la planificación educativa en América Latina. La Educación. Washington, 33, (105), p. 1-37, 1989.

Unesco. Statistical yearbook. Paris, 1965-1992.

Tilak, Jandhyala B. G. La Privatización de la enseñanza superior. Perspectivas, Paris, 21, (2), p. 247-260, 1991.

Word Bank.World development report. New York, 1984-1988.

 

Anexo Estatístico

 

Tabela 1

Gastos Públicos com Educação no Mundo. 1965-1990.

( em US$ bilhões constantes de 1990 )

Áreas

1965

1970

1975

1980

1985

1990

Mundo

345,6

502,8

692,9

740,7

693,9

1.036,9

África

4,9

7,6

14,1

23,5

21,1

20,3

América

156,8

243,6

288,2

246,6

283,7

373,1

do Norte

144,6

225,8

261,1

202,3

251,6

328,9

Latina

12,2

17,8

27,1

44,3

32,1

44,2

Ásia

26,1

43,8

92,4

133,9

132,2

218,2

Oceania

3,9

6,2

13,8

13,5

11,9

18,1

Europa

153,9

201,6

284,4

323,2

245,0

407,2

Países:

Desenv.

316,9

457,4

611,7

615,6

584,2

887,6

em Desenv.

28,7

45,4

81,2

125,1

109,7

149,3

Fonte: Unesco. Statistical Yearbook. 1980-1992

Tabela 2

Participação dos Gastos Públicos com Educação no PNB. 1965-1990.

( em % )

Áreas

1965

1970

1975

1980

1985

1990

Mundo

4.9

5.3

5.8

5.1

5.0

5.0

África

3.4

4.1

4.6

5.3

5.8

6.1

América

5.1

6.2

6.7

5.0

5.0

5.3

do Norte

5.4

6.6

7.4

5.2

5.1

5.5

Latina

3.1

3.3

3.6

4.1

4.1

4.0

Ásia

3.5

3.6

4.3

4.5

4.3

4.1

Oceania

3.7

4.5

6.5

5.6

5.6

5.4

Europa

4.3

4.6

5.7

5.5

5.5

5.3

Países:

Desenv.

5.1

5.6

6.4

5.4

5.3

5.2

em Desenv.

3.0

3.3

3.6

3.9

4.0

3.9

Fonte: Unesco. Statistical Yearbook. 1970-1992

 

Tabela 3

Matrículas Escolares por grupo de Países e Grau de Ensino. 1950-1990

( em 1000 )

Países/Grau

1950

1960

1965

1970

1975

1980

1985

1990

P. Desen.

1º Grau

112.418

125.455

135.401

120.980

115.368

111.003

109.900

111.731

2º Grau

30.544

45.455

62.176

77.754

91.185

90.871

92.034

90.372

3º Grau

5.380

9.613

14.937

20.779

26.826

29.448

31.066

35.678

P. em Des.

1º Grau

64.727

120.537

164.514

205.674

248.234

298.774

336.544

375.823

2º Grau

7.496

23.451

38.385

53.544

75.494

102.551

132.269

157.571

3º Grau

937

2.610

4.601

7.270

10.769

15.094

20.896

25.995

Fonte:Unesco. Statistical Yearbook. 1970-1992

 

 

Tabela 4

Taxas Brutas de Escolarização por grupo de Países e Grau de Ensino. 1960-1990

( em % )

Países / Grau

1960

1970

1975

1980

1985

1990

P. Desenv.

66,1

71,8

73,5

73,9

76,4

79,6

1º Grau

105,6

103,9

100,9

101,2

101,7

102,4

2º Grau

61,1

76,8

84,0

85,6

90,6

92,5

3º Grau

13,5

23,4

28,4

30,2

32,6

38,8

P. em Des.

36,7

41,8

48,5

50,2

50,5

52,0

1º Grau

75,9

83,5

92,8

94,8

98,5

98,5

2º Grau

15,8

23,9

31,3

35,7

37,6

41,9

3º Grau

2,1

3,0

4,0

5,1

6,1

6,9

Fonte:Unesco. Statistical Yearbook. 1970-1992