INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PESQUISA NAS UNIVERSIDADES EMERGENTES: NOVOS ARRANJOS E PARCERIAS PARA UMA
QUESTÃO MAL RESOLVIDA
SEGENREICH, Stella Cecilia Duarte
Em documento apresentado em 1994, na Reunião Anual da ANPEd, foi enfocada a questão da indissociabilidade ensino/pesquisa no bojo do movimento de crescimento e transformação das instituições particulares em universidade com o objetivo de demonstrar que novos parceiros vêm se juntar às universidades existentes para enfrentar uma antiga questão da Universidade Brasileira que é a da institucionalização da pesquisa na universidade. Ao analisar a inserção destes novos parceiros no sistema universitário chamou-se a atenção para o fato de que seria importante desenvolver estudos que procurassem acompanhar mais de perto este processo de institucionalização da pesquisa em seus múltiplos aspectos, principalmente no que se refere à concepção ou concepções de pesquisa subjacentes a este processo.
Neste sentido, foi desenvolvida, a partir de 1995, uma pesquisa (financiada pelo CNPq) cujo objetivo consistiu em analisar criticamente os caminhos alternativos que vem sendo trilhados ( ou pensados) pelas universidades emergentes para desenvolver o processo de institucionalização da pesquisa, tomando como base a experiência concreta de duas instituições concretas . Os resultados obtidos por esta pesquisa, que está em fase de relatório final, constituem a contribuição central deste documento. Entretanto, o teor do decreto N. 2207 de 15 de abril de 1997 nos levou a inserir, no final deste relato, uma análise preliminar sobre os "novos arranjos"e as "novas parcerias" nele propostos e sua relação com os resultados de pesquisa aqui apresentados.
Na organização do texto, partiu-se da questão que contextualiza a pesquisa para, em seguida, apresentar uma síntese dos resultados obtidos na investigação. Em um terceiro momento, procura-se levantar hipóteses acerca do impacto das mudanças propostas pela legislação na questão da institucionalização da pesquisa na Universidade tomando como base os dados obtidos na pesquisa.
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PESQUISA NA UNIVERSIDADE: A QUESTÃO
A presença da pesquisa na Universidade e sua relação com o ensino é uma questão que não só tem acompanhado a trajetória da Universidade Brasileira desde a sua criação, na década de 20, como chega até os dias de hoje acrescida de múltiplas questões suscitadas no processo de implantação da própria reforma de 1968.
É na introdução do Relatório do Grupo de Trabalho ( GT ) para a Reforma Universitária que se tem o maior número de elementos para identificar a definição de Universidade apresentada pelo GT como solução para os problemas do ensino superior no país. Vista ao mesmo tempo como "polivalente, multifuncional, baseada no indissociação do ensino e da pesquisa" e como "responsável pela formação técnico-profissional", duas ênfases nela estão presentes: uma ênfase mais humanista e outra mais tecnicista ou desenvolvimentista.Apesar de ter prevalescido o tecnicismo em detrimento da dimensão humanista, quando da implantação da Reforma de 1968, o fato dela tentar conciliar diferentes tendências tem seu reflexo no debate em torno da indissociabilidade ensino/pesquisa.
O que se pode perceber nestas tendências é que, a posições diferentes correspondem, muitas vezes, diferentes definições de pesquisa. Aqueles que contestam o postulado da união ensino-pesquisa como não sendo auto-evidente partem de uma definição restrita de pesquisa; na sua perspectiva a pesquisa científica tem por função produzir novos conhecimentos em nível internacional e de ponta. Este posicionamento não é partilhado, entretanto, por outros autores que adotam uma definição mais ampla de pesquisa, pesquisa sem adjetivos, inerente à atividade de ensino superior.
Na tentativa de detectar as raízes das posições aqui apresentadas Paoli ( 1990) situa na década de 50, sem esquecer as tentativas da década de 30, a emergência de movimentos sociais preocupados com a mudança de um esquema reprodutor/ erudito/ livresco para modelos científicos/ empíricos/ experimentais: "era uma forma de pensar a relação ensino/pesquisa ligada pela preposição com, ensino com pesquisa."( p. 33)
Tendo em vista que esta perspectiva foi alijada do processo de implantação da Reforma, esrte autor se refere a ela como modelo vencido. Em contraponto, o que ele chama de modelo vencedor se refere a modelos de modernização que, com base nas teorias econômicas do "capital humano", têm como preocupação prioritária o atendimento dos sistemas sócio-econômico ( mercado de trabalho ) e científico ( pesquisa básica e tecnologia de ponta ).
Finalmente, cabe uma última observação na medida em que se procurou buscar as raízes históricas e sociais dos diferentes posicionamentos acerca da relação ensino- pesquisa. Alguns autores ( Ribeiro et alii, 1985) tem chamado atenção para o fato de que a "relação ensino/pesquisa é assumida como uma relação natural, esvaziada, portanto, de seu conteúdo histórico, quando, na verdade o que ocorre é a introdução de um elemento novo, estranho, mas pensado como naturalmente existente"( p.3).
Isto explica porque a introdução de um elemento novo e ameaçador, em função de uma definição restritade pesquisa, tem gerado distorções, tensões e conflitos no processo de implantação da Reforma Universitária, que já analisamos em trabalho anterior (Segenreich, 1995 b).
Como resultado deste processo, alguns autores afirmam que nas instituições públicas concentra-se a pesquisa e, nas privadas, a transmissão de conhecimento am áreas não necessariamente associadas ao desenvolvimento científico e tecnológico do país"( Morosini e Leite, 1993, p.9) enquanto outros são mais duros em suas conclusões: "a maioria das instituições de ensino superior no Brasil, tanto públicas como privadas, são mais estabelecimentos de ensino, não desenvolvendo pesquisa e possuindo professores pouco qualificados"( Durham,1993,p.8).
Nos dois trabalhos acima citados, que trazem uma contribuição significativa à questão, a rede privada é tratada, entretanto, como bloco único, exceto em relação à cássica diferença entre universidade e instituição isolada.Por outro lado, as autoras trabalharam com um universo de 55 universidades públicas e 40 privadas, existente em 1990/1991, quando, sòmente no período 1992/1993, foram aprovadas 15 universidades particulares pelo Conselho Federal de Educação Este contingente significativo de instituições está a demandar atenção e estudos, dentre os quais certamente se destaca a questão da institucionalização da pesquisa tendo em vista sua dificuldade de realização.
Com o objetivo de preencher esta lacuna,foi desenvolvida uma pesquisa ( Segenreich, 1995a ) que se propõe a analisar os caminhos alternativos que vem sendo trilhados ( ou pensados) pelas universidades emergentes para desenvolver o processo de institucionalização da pesquisa no seu interior, procurando:
a) captar o atual discurso do sistema sobre a concepção de pesquisa na Universidade e os caminhos visualizados para sua institucionalização, nos últimos documentos legais e produção acadêmica;
b) apreender o discurso e elementos da prática da universidade emergente sobre este processo.
Na realidade, o que se procurou detectar, nesta pesquisa, foi a maior presença, ausência ou interação dos modelos "vencedor"e "vencido" como veremos a seguir.
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PESQUISA NAS UNIVERSIDADES EMERGENTES: RESULTADOS DA PESQUISA
Antes de passar à análise das universidades emergentes propriamente ditas,que constitui o segundo objetivo da pesquisa, faz-se necessário apresentar algumas idéias captadas nos discursos do sistema e da comunidade científica sobre a questão,principalmente na década de noventa. Para cumprir este objetivo inicial da investigação, foi feito um levantamento bibliográfico inicial em revistas e dissertações/teses, que vem sendo complementado pelos dados fornecidos pela pesquisa sobre Produção Científica sobre Educação Superior, desenvolvida pelo GT de Políticas de Educação Superior da ANPEd.
Os atuais discursos sobre a institucionalização da pesquisa
Ao enfocar alguns exemplos de manifestações da comunidade acadêmico- científica, expressas em duas revistas representativas como Educação Brasileira ( autores mais ligados à administração do sistema de ensino superior) e Ciência e Cultura ( autores mais ligados a instituições científicas), foi possível detectar algumas preocupações significativas:
- Na primeira revista a discussão é centrada no desenvolvimento da pesquisa no interior da Universidade explorando diferentes problemas tais como a necessidade da pesquisa básica na Universidade ou destacando o enfoque da atividade de pesquisa na universidade como princípio educativo e emancipatório, defendida por Pedro Demo. Torna-se importante registrar artigo escrito no limiar da década de 90 ( Braga apud Segenreich, 1997) onde se aborda a problemática da pesquisa na universidade sob o ângulo das condições de realização da pesquisa. Segundo o autor, há que se atribuir papéis específicos nos diversos tipos de instituição. Nem todas podem fazer pesquisa de energia solar, mas todas podem fazer algo pela qualidade de ensino de graduação e mais alguma coisa . Definir este algo mais de acordo com a realidade de cada universidade é tarefa indispensável, segundo ele . Parece que este algo foi definido no Decreto 2207/97, como veremos mais adiante.
- Na revista Ciência e Cultura a maior preocupação reside na atividade de pesquisa voltada para fora da Universidade, isto é, no compromisso desta instituição com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Seus trabalhos denunciam: problemas institucionais de institutos de pesquisa e universidades; falta de política de ciência e tecnologia por parte do governo federal e alguns governos estaduais; falta de recursos para a C & T ligada à falta de uma avaliação pela sociedade brasileira, dos esforços desta área; ausência do Estado como provedor e executor de uma politica de capacitação científica e tecnológica na medida em que abraça um projeto neo-liberal. Em contraponto, vários artigos e trabalhos apresentados nas reuniões anuais da SBPC enfocam experiências docentes que procuram aliar a pesquisa ao ensino de graduação mas se esgotam nelas mesmas; somente mais recentemente tem sido relatadas experiências mais abrangentes na medida que englobam grupos de professores de uma mesma área ou departamento, universidades inteiras e até experiências que ultrapassam o âmbito institucional como as experiências do PET/CAPES.
Quanto ao discurso do sistema vamos nos concentrar aqui nos documentos ligados à nova lei de Diretrizes e Bases e aos documentos relacionados diretamente ao processo de reconhecimento das universidades emergentes.
Analisando comparativamente o projeto de Lei de Diretrizes e Bases elaborado logo após a Constituição de 1988 (Projeto de Lei N. 1.258-C, de 1988) com a principal lei da Reforma Universitária ( Lei 5540/68 ), foi possível detectar uma mudança de entonação do discurso governamental em relação à questão da indissociabilidade ensino/pesquisa:
- A Lei 5540/68 afirmava, em seu artigo segundo que "o ensino superior indissociável da pesquisa, será ministrado em universidades ..." ( Brasil, 1968), enquanto o Projeto 1.258/88, em seu art. 58 afirma que "a educação superior realiza-se através do ensino, da pesquisa e da extensão"sem mencionar explicitamente a indissociação ensino-pesquisa (Brasil, 1993)
- Este principio é, aliás, reafirmado no artigo 11 da Lei 5540 ao colocar como uma das características da organização da Universidade "as unidades de funções de ensino e pesquisa" ( alínea c). O Projeto 1.258/88, em compensação,ao definir os objetivos da pesquisa no parágrafo primeiro do mesmo artigo 58, opta pela definição restritiva de pesquisa ao afirmar que "a pesquisa tem por objetivo o avanço do conhecimento teórico e prático, em seu caráter universal e autônomo, e deve contribuir para a solução de problemas sociais, econômicos,político, nacionais e regionais".
- Na mesma linha de raciocínio, o referido Projeto, ao estabelecer os requisitos mínimos para a constituição de universidade ( art. 64, item I) explicita a institucionalização da pesquisa pura e aplicada e a produção científica comprovada sem estabelecer relação direta com o ensino.
- Finalmente, nos artigos referentes ao corpo docente, mais uma vez esta mudança pode ser verificada: na Lei 5540, art. 32, alínea a, descreve-se como atividade do magistério superior "as que, pertinentes ao sistema indissociável de ensino e pesquisa, se exerçam nas universidades e nos estabelecimentos isolados...". Já no Projeto 1258C/88, o único parágrafo dedicado ao corpo docente de ensino superior se refere aos direitos do corpo docente das instituições públicas.
Esta mudança de entonação, ou ausência de explicitação, do que para alguns é óbvio (indissociação ensino/pesquisa) e para outros discutível , é ratificada no projeto de Darcy Ribeiro e, posteriormente, na própria Lei 9 394/96 que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional ( Brasil, 1996). No artigo 54 , parágrafo segundo, por exemplo , esta lei estende atribuições de autonomia universitária "a instituições que comprovem alta qualificação para o ensino ou para a pesquisa" Em termos de concepção de pesquisa, a alternativa "ensino ou pesquisa", pode significar um descompromisso do sistema com o modelo "ensino com pesquisa", inerente a qualquer instituição de ensino superior ( é o se que defende neste texto) e também terá repercussão quanto à identificação da universidade como única instituição legítima de ensino superior. Voltaremos a este ponto mais adiante.
Este discurso tem repercussão na forma como é colocada a questão da pesquisa na Universidade, nos documentos que tem orientado os processos de acompanhamento de instituições de ensino superior para se transformar em universidade. Lendo pareceres do CFE da década de 80, pode-se perceber a crença de que uma universidade deve responder a certos requisitos mínimos de concepção, organização, funções, atmosfera e consciência que respondam a "pré-condições mínimas". Um ponto importante a assinalar, neste momento, é esta enfase nas condições ( necessárias mas não suficientes) para o desenvolvimento da pesquisa. Elas estão traduzidas na exigência constante da Resolução 3/83, artigo 6,letra h: "condições para realização de pesquisa nos campos de estudo abrangidos pelas unidades existentes" (Brasil, 1983) e que permanece na Resolução N. 2 de 18 de maio de 1994, último documento a regulamentar autorização e reconhecimento de universidades antes da nova LDB, nos seguintes termos: "condições que tornem possível, sem depender exclusivamente da contribuição financeira dos alunos, a realização do ensino, pesquisa científica e a prática da extensão, orientadas no sentido de participação nos problemas comunitários de sua área de influência". Esta tendência de valorizar a avaliação das condições para a pesquisa em detrimento da atividade de pesquisa propriamente dita vai se acentuar na legislação atual.
Finalmente, é importante chamar atenção para um pequeno item constante desta Resolução, no que se refere aos requisitos para organização de uma Universidade. Nele está contida a exigência da "indissociabilidade das funções de ensino, pesquisa e extensão, vedada a duplicação de meios para fins idênticos ou equivalentes, em instituições públicas" (item III do art. 7). Isto significa que a indissociabilidade ensino/pesquisa vale somente para as públicas, para as demais bastam as condições para a pesquisa, orientada esta pesquisa para a participação nos problemas comunitários de sua área de influência, como está explicitado acima.
O discurso e a prática das universidades emergentes
Como fonte para detectar o discurso das universidades emergentes sobre a questão da pesquisa foram privilegiados os relatórios elaborados por diversas instituições, no decurso do processo de transformação em Universidade, na prte referente às Funções da Universidade. Neste relatório a instituição deve explicitar o papel que o ensino, a pesquisa e a extensão devem desempenhar em seu projeto de Universidade. Serão aqui apresentadas as propostas das duas instituições objeto de estudo, como ilustração. Em um primeiro momento transcrevemos o traço característico da atividade de pesquisa no contexto do projeto de cada uma das instituições:
Instituição 1: " Desenvolver e implementar uma política de pesquisa, que a valoriza como algo inerente ao contexto didático-pedagógico e estimula a participação de professores e alunos".
Instituição 2: "Concebida como instrumento para o desenvolvimento regional, a pesquisa vem ampliando o compromisso da (...) , a partir de uma ação articulada com as empresas e outras instituições na busca de projetos integrados que levarão ao desenvolvimento científico e tecnológico".
Pode-se notar uma clara diferença entre as duas propostas, a primeira voltada para o interior da Universidade, calcada no ensino com pesquisa, enquanto a segunda, mais frequentemente encontrada nas demais instituições analisadas, reflete uma concepção de pesquisa mais voltada para fora da instituição, em estreita articulação com as necessidades de mercado. Estas diferenças, entretanto, ficam amenizadas no discurso das instituições candidatas a Universidade quando se chega no relatório referente às funções da Universidade propriamente ditas. Vejamos algumas destas colocações:
Instituição 1: " Em razão do caráter comunitário da Instituição, a Pesquisa está sendo entendida e praticada como um trabalho compartilhado. Por outras palavras, passa-se da pesquisa individual para a pesquisa institucional, aprofundando o espírito científico na comunidade acadêmica, envolvendo professores e alunos e criando elos de ligação mais estreita entre os Departamentos"
Instituição 2: "Faz-se necessária uma concepção de pesquisa como uma atividade a ser desenvolvida em um projeto político amplo com os objetivos fundamentais tanto de preparação técnica qualificada do homem através da apropriação do saber, quanto a forma pela qual este homem, de posse do saber necessário à sua vida como ser humano, pode contribuir com a sociedade em seu desenvolvimento cultural, científico, tecnológico e acadêmico" No primeiro aspecto, reitera a necessidade da indissociabilidade entre ensino e pesquisa; no segundo aspecto ressalta a importância da conjunção da pesquisa com a extensão.
Nos próprios relatórios é possível perceber, quando não é afirmado explicitamente, como no caso da instituição 2, que o envolvimento do ensino de graduação com as atividades de pesquisa ainda é muito incipiente. Por outro lado, paradoxalmente, muitas pesquisa, relatadas como tal, se caracterizam, na realidade, como experiências docentes que mereceriam ser analisadas não como pesquisas de segunda classe mas como um ponto de partida para a relação "ensino com pesquisa". Esta visão restritiva de pesquisa é passada, muitas vezes pela comissão de acompanhamento e internalizada pelos atores da instituição e expressa na sua atuação posterior, como veremos a seguir.
Algumas observações podem ser feitas acerca do processo de institucionalização da pesquisa neste tipo de instituição, através dos dados levantados em entrevistas realizadas nas duas instituições objeto de estudo, que passaram recentemente pelo processo de reconhecimento. Destacamos, a seguir, alguns aspectos que concentraram as falas dos atores - dirigentes e professores.
Desenvolvimento de condições favoráveis: recursos materiais
A instituição apresenta alguns sinais visíveis à comunidade universitária de mudanças que propiciam a institucionalização da pesquisa tais como: melhorias da infraestrutura física, biblioteca e salas de trabalho. Para se ter uma idéia destas mudanças tomamos como exemplo um relatório síntese ( Quadro 1) sobre a biblioteca da Instituição 1 em dois momentos: na Carta-Consulta e na época da elaboração do Relatório Final da comissão de acompanhamento.
QUADRO 1
Relatório sintese da biblioteca da Instituição 1 em dois momentos:
Carta-Consulta e Relatório Final
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Aspectos avaliados Carta Consulta Relatório Final
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Acervo bibliográfico 55 041 77 978
Recursos Humanos 8 27
Área 407,15 m2 1348,90 m2
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Fonte: Relatórios da Instituição 1 para o CFE
Recursos humanos e espaço institucional
Se, por um lado, é visível a criação de condições materiais favoráveis, as instituições tem dificuldade de compatibilizar, em curto espaço de tempo, a exigência da qualificação docente e ampliação da carga horária para as atividades de pesquisa, o que é percebido e reinvidicado pelo corpo docente. Esta situação pode ser visualizada no Quadro 2.
QUADRO 2
Condições docentes para o desenvolvimento da pesquisa nas instituições 1 e 2
em dois momentos : Carta - Consulta e Relatório Final
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Instituição/ Qualificação ( %) Regime de Dedicação (%) Total
Momento D. M. A./E. G. 40hs. 20hs. -20hs. F
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Instituição 1
Carta Consulta 2.5 11.6 65.2 20.7 10.7 46.3 43.0 121
Relatório Final 7.7 25.4 47.7 19.2 7.7 23.1 69.2 130
Insrtituição 2
Carta Consulta 2.9 19.5 69.9 7.7 6.9 67.1 26.0 246
Relatório Final 6.1 32.8 61.1 -- 24.4 60.0 15.6 180
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Fonte : Relatórios das instituições 1 e 2 para o CFE
Como pode ser verificado nestas estatísticas, as condições relativas a recursos humanos estão no limiar das exigências da nova LDB, no que se refere à qualificação do corpo docente, e abaixo dela, no que se refere ao regime de dedicação, tendo em vista que os altos percentuais no regime de dedicação 20 horas estão incluidos professores que assumem carga docente efetiva de até 30 horas semanais. Isto explica, inclusive, as estatísticas aparentemente contraditórias da instituição 1. Vários dirigentes declararam estar em uma fase de pesados investimentos em qualificação de pessoal e de estudos sobre a viabilidade da efetivação do plano de carreira docente acordado durante o processo de reconhecimento.
Em termos de recursos humanos, vale ainda lembrar que não basta a existência de condições concretas para o exercício de uma atividade, é preciso também haver predisposição para o desenvolvimento desta atividade por parte dos atores e espaço institucional para seu desenvolvimento.
A este respeito as entrevistas realizadas na instituição 2, por ocasião de seu reconhecimento, revelaram que a concepção de pesquisa de dirigentes e alunos de graduação desta universidade se aproxima mais do modelo vencedor enquanto os professores e alunos de pós graduação, sem negar a pesquisa científica, defendem também o modelo vencido, isto é o ensino com pesquisa na medida em que a pesquisa pode contribuir para a melhoria qualitativa do ensino; mudanças positivas na relação professor aluno; e , mudanças na relação do professor com a propria instituição.
Recursos financeiros
A falta de recursos é apontada como um entrave por todos os segmentos das universidades emergentes pesquisadas. Chamam eles atenção para o fato de é difícil obter auxílio das agências financiadoras por causa da falta de tradição das IES e pelo fato de serem privadas e de regiões menos favorecidas. Por outro lado, os dirigentes relutam em aumentar a carga horária docente extra - ensino com medo dos recursos necessários tendo em vista, inclusive, toda uma regulamentação que o impede de onerar diretamente o aluno por isto.
Algumas instituições criaram um fundo de fomento interno para dar apoio financeiro aos professores no valor de um percentual fixo da receita realizada mensamente. Um dirigente responsável pela criação de um destes fundos argumentou ser esta a melhor forma de chegar aos professores para discutir uma política de desenvolvimento de pesquisa e estabelecer regras para sua utilização. Este fundo tem servido não só para financiar projetos como para propiciar a participação em eventos externos ou trazer eventos de fora.
Caminhos trilhados ou pensados
É consenso entre os entrevistados que a institucionalização da pesquisa na universidade emergente é dificil, praticamente impossível se procurar os caminhos tradicionais. Elencamos algumas alternativas levantadas , que estão a merecer uma boa análise sobre seu impacto no próprio sistema de educação superior.
1) As instituições emergentes tem procurado ocupar o espaço da pós-graduação "lato sensu", deixado pelas universidades tradicionais e pouco regulamentado pela lefgislação federal. Três objetivos são atingidos, simultânea e sucessivamente: em um primeiro momento estes cursos não só atendem à necessidade de gerar receitas como,também, de qualificar seu próprio corpo docente; em um segundo momento, eles continuam a gerar receitas e se tornam o balão de ensaio dos futuros cursos de mestrado e doutorado.
2) A criação de cursos de pós-graduação "stricto sensu" tem se baseado fortemente em parcerias tanto entre instituições emergentes como, e principalmente, com programas de pós-graduação de universidades estrangeiras. É uma forma de obter, a curto prazo, uma massa crítica de corpo docente qualificado e com experiência de pesquisa. O problema reside no fato de que os professores qualificados podem ser trazidos para cá mas a atividade de pesquisa corre o perigo de só chegar através dos seus relatos e, com isto, não alterar a cultura da instituição.
3) Algumas instituições tem optado por planejar a implantação de núcleos de pesquisa como alternativa aos cursos de pós-graduação, como sede da atividade de pesquisa. Chamam seus idealizadores atenção para o fato de que isto não é para todos os departamentos porque, evidentemente, "nem todos tem vocação para pesquisa". Outro ponto levantado se refere à necessidade de existir um modelo institucional de núcleo porque "não pode deixar que os especialistas tomem conta". Dois princípios regem a criação deste núcleo específico, tendo em vista que os recursos são escassos: os núcleos são vinculados aos departamentos mas nem todos os departamentos terão núcleos; "quem produz continua, quem não produz volta a dar aula".
4) Nas entrevistas realizadas na instituição 2, os dirigentes apontam como possível caminho alternativo a parceria com as diversas empresas o que acarretará "mudanças na administração universitária na medida que a universidade precisará ter pessoas com vivência empresarial para ampliar seus horizontes". Estas afirmações, feitas na ocasião do reconhecimento da Universidade, foram concretizadas dois anos mais tarde através de uma reformulação de toda a estrutura da instituição segundo os principios da qualidade total. As implicações destas mudanças para o desenvolvimento das atividades de pesquisa não estão ainda muto claras.
NOVOS ARRANJOS E NOVAS PARCERIAS: CONSIDERAÇÒES QUASE FINAIS
No momento em que se estava preparando uma sintese e avaliação final dos caminhos que vem sendo trilhados ou pensados pelas universidades emergentes para institucionalização da pesquisa, requisito essencial para sua consolidação como universidades , tomou-se conhecimento do Decreto 2.207 de 15 de abril de 1997 que regulamenta várias disposições da nova LDB. Tendo em vista que este decreto estabelece novos arranjos e traz novas parcerias para a questão em foco optou-se por esboçar o que foi chamado de considerações "quase finais".
Em primeiro lugar é importante explicitar de que novos arranjos e novas parcerias está-se falando. Em relação aos novos arranjos, é relevante mas não totalmernte pertinente para nossa discussão, neste momento, a nova distinção entre instituição privada com finalidade lucrativa e não lucrativa.
Entretanto a nova classificação prevista no artigo 4 tem relação direta com situação que se vinha analisando. De acordo com este artigo, as instituições de ensino superior do Sistema Federal de Ensino, passam a se classificar em: I - universidade; II- centros universitários; III- faculdades integradas; IV - faculdades; e, V - institutos superiores ou escolas superiores. No artigo seguinte, reafirma-se que as universidades, na forma do disposto no art. 207 da Constituição, se caracterizam pela indissociabilidade das atividades de ensino, de pesquisa e de extensão. Entretanto a nova figura de organização acadêmica, o Centro Universitário, é caracterizada, no artigo 6, como "instituições de ensino superior pluricurriculares, abrangendo uma ou mais áreas de conhecimento, que se caracterizam pela excelência do ensino oferecido, comprovada pela qualificação de seu corpo docente e pelas condições de trabalho acadêmico oferecidas à comunidade escolar, nos termos das normas estabelecidas pelo Ministro de Estado da Educação e do Desporto para o seu credenciamento". Ora o texto não menciona a necessidade da pesquisa, o que levou às seguintes interpretações nos jornais do dia 17 de abril:
- Folha de São Paulo: "O que serão os centros universitários? Serão quase universidades. A diferença é que não precisam se dedicar à pesquisa, mas devem ter ‘excelência de ensino’, comprovada pela qualidade dos professores e pelas condições de trabalho acadêmico". ( p.3)
- Jornal do Brasil: "Os centros universitários ficam isentos de desenvolver pesquisas e gozam da mesma autonomia para a criação de novos cursos". (p.9)
Esta colocação do jornal nos fez retomar a seguinte pergunta feita em trabalho anterior sobre a questão das universidades emergentes: Por que estas instituições querem ser Universidades? Entre as várias possibilidades de resposta, levantou-se, naquele momento, a hipótese de que algumas instituições se submetiam a este processo de credenciamento porque a transformação em Universidade representava uma carta de alforria em relação ao controle do Estado; a autonomia de gerenciar os próprios cursos podia valer o contrapeso de implantar alguma atividade de pesquisa. Após analisar, nesta pesquisa, a experiência de algumas delas chegou-se à conclusão de que se, por um lado, existem instituições que adeririam de bom grado à solução "conciliatória" proposta no Decreto 2.207, outras, no entanto, irão encará-la como um desestímulo ao esforço que vem sendo por elas despendido no sentido de efetivar o dificil processo de institucionalização da pesquisa em seu interior.Este é o momento de "pagar para ver".
Quanto à entrada de novas parcerias, estamos nos referindo à inclusão das ordens profissionais no processo de credenciamento de cursos. Neste decreto só são mencionados os conselhos da área de saúde e direito, instituições bastante fortes. Entretanto o que terá a dizer sobre isto o CREA, em relação aos cursos de Engenharia? Esta é uma tendencia que se espalhará ou ficará restrita às fortes corporações? O que nos interessa de perto é o enfoque que estas novas parcerias darão ao ensino de graduação e ao papel que a pesquisa desempenhará neste processo.
Como estas normas legais e outras que estão a caminho vão afetar o ainda incipiente processo de institucionalização da pesquisa nestas universidades emergentes é ainda uma incógnita.
Finalmente, na tentativa de esclarecer um pouco mais as perspectivas futuras do modelo "ensino com pesquisa" recorremos a um antigo texto de Florestan Fernandes ( 1966) onde ele analisa a relaçao pesquisa e ensino superior. Naquela época, ele mostrava-se preocupado com o fato de que a negligência com a pesquisa estava se transformando em um fascínio da pesquisa pela pesquisa. Por outro lado, o professor sentia falta da presença da pesquisa na rotina do trabalho didático tanto no sentido de usar a pesquisa como ilustração como "no sentido de formar no aluno o pesquisador: de criar hábitos intelectuais necessários à realização de uma pesquisa e ao aproveitamento produtivo dos resultados"( p.211). Julgava ele que, com o tempo, nos livraríamos desta "doença infantil" da pesquisa pela pesquisa "mediante a adoção de padrões e ideais equilibrados de labor intelectual universitário" (p.210). Esta "doença infantil" já dura 30 anos e parece que as atuais diretrizes do sistema não trazem nenhuma estratégia de solução para esta questão mal resolvida.
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