REFORMAS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL PÓS-85:

DESAFIOS À EXTENSÃO E À AUTONOMIA UNIVERSITÁRIAS*

 

TAVARES, Maria Das Graças Medeiros

 

Os anos 80, no Brasil, foram marcados por um movimento em direção a socialização do poder político, que, no âmbito da Educação, possibilitou o debate _ quer na sociedade política quer na civil _ sobre projetos diferenciados de reestruturação da política educacional.

Apesar do intenso debate em torno de propostas sobre a reestruturação da universidade, tanto por parte do Governo quanto por parte do movimento docente, através da Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior (ANDES) e dos dirigentes universitários, através do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), a extensão universitária, per se, não se constituiu em tema prioritário nos primeiros anos da década de 80. Isso pode ser imputado, com relação ao Governo _ praticamente omisso quanto à questão da extensão universitária _ à crise de hegemonia existente na época, crise esta que impedia a utilização dessas atividades enquanto mecanismo ideológico de fortalecimento do poder notadamente enfraquecido.

A chamada "Nova República" (mar/85 a jan/90) foi o resultado de uma combinação de pressões populares "de baixo" e de operações transformistas "pelo alto", ou seja, uma "revolução restauração" na concepção gramsciana. Contudo não se pode deixar de reconhecer que houve um encaminhamento político diferente daqueles ocorridos em períodos anteriores da História do Brasil, como a Revolução de 1930 e o Governo Militar de 1964.

É fundamental ter claro que esse Governo se diferenciava dos anteriores, por ser necessariamente mais permeável à pressão social organizada; impedido pela sua própria composição de opor-se diretamente àquela pressão, lançou mão fartamente do recurso às "Comissões de Alto Nível", cujo objetivo fundamental era contornar a mobilização social direta, tentando esvaziar a representatividade das entidades da sociedade civil, deslocando assim o embate político, próprio de uma sociedade democrática, para o terreno "técnico" dos "especialistas" cuja "representatividade" era conferida pelo próprio governo e não pelos segmentos organizados da sociedade a quem se tentava minimizar.

No campo educacional e, especificamente, no ensino superior, esse período caracterizou-se pelo aparecimento de várias propostas de reestruturação da universidade elaboradas pelo Governo, (Comissão Nacional para Reformulação da Educação Superior, Programa Nova Universidade e Grupo Executivo para a Reformulação da Educação Superior) com forte apelo social, preenchendo uma lacuna na área de extensão universitária sentida nos primeiros anos da década de 80.

A POLÍTICA DE EXTENSÃO NAS PROPOSTAS DE REESTRUTURAÇÃO DA UNIVERSIDADE ELABORADAS PELO GOVERNO

1. A Comissão Nacional para Reformulação da Educação Superior criada, pelo Presidente da República, em maio de 1985, através do Decreto nº 91.177, conhecida como "Comissão de Alto Nível", teve uma composição bastante diversificada, possuindo 24 membros, entre os quais, representantes do movimento docente que defendiam, entre outras coisas, a exclusividade das verbas públicas para o ensino público; da rede particular de ensino, querendo garantir a sua participação nos recursos públicos, e representantes de um modelo de universidade voltada, prioritariamente, para a pesquisa em detrimento das outras atividades de ensino e extensão.

A multiplicidade de interesses se fez presente no relatório final, elaborado no prazo de seis meses, cujo objetivo visava desencadear "um processo de ampla discussão e mobilização em torno dos grandes problemas do ensino superior, do qual resulte uma nova política que possa ser conduzida com amplo apoio da comunidade universitária e do resto do País"(MEC, 1985, p.3).

A concepção de universidade presente no documento pode ser sintetizada, em geral, como a de uma instituição modernizadora, voltada para a pesquisa, sendo a avaliação de desempenho determinante para a concessão de recursos financeiros. A extensão se apresentou como "uma das atividades essenciais da universidade em qualquer sociedade moderna"( id., ib.), com o objetivo de transferir conhecimentos à mesma.

A comprovada inadequação da universidade à realidade brasileira, especialmente a interesses e necessidades de amplos setores sociais marginalizados, contida no diagnóstico que acompanhava o relatório, reforçava a necessidade de fortalecimento da extensão, sendo esta entendida como prestação de serviços.

O documento destacava a necessidade de reforçar as atividades de extensão universitária ao se referir sobre a "quase inexistência de trabalhos de extensão e outros serviços prestados às comunidades [reivindicando] mecanismos efetivos de transferência de conhecimentos para fora da universidade"( id., p.4/5), estando prevista a realização de "formas não-convencionais de ensino de nível superior (...) tanto em atividades de extensão e aperfeiçoamento quanto em cursos regulares, desde que assegurados os padrões de qualidade"( id., p.18). A atividade de extensão se constituiu, portanto, nesse documento, instrumento de "grande valor pedagógico, além de proporcionar serviços efetivos"(id., p.23).

A parte do relatório destinada às recomendações assinalava, no item "gestão democrática e controle social da universidade", um destaque sobre a extensão universitária considerada como "uma dimensão essencial às finalidades das IES, integrada ao ensino e à pesquisa" (id., p.31). A forma da sua institucionalização eram múltiplas, envolvendo desde encorajar a participação das IES nos planos e programas nacional, regional e local, passando pela utilização de bibliotecas, museus, entre outros serviços complementares das IES, como meios de interligação com a comunidade, indo até a revisão do conceito de cidade universitária como campus fechado.

Ao tratar do financiamento das IES, o relatório destacava a inexistência de incentivos à pesquisa e à prestação de serviços, chegando a propor um sistema de remuneração adicional para docentes-pesquisadores e docentes-prestadores-de-serviços que, comprovadamente, exercessem essas atividades (id., p.64). Isso é um fato curioso por se constituir na negação da isonomia salarial entre IES, bandeira de luta do movimento docente, incentivando a discriminação entre os mesmos, principalmente aqueles que se dedicavam especificamente às atividades de ensino.

O que se pode inferir da análise desse relatório é que a priorização dada à dimensão social da universidade, ou seja às atividades de extensão, tinha, na verdade, objetivos identificados com a desobrigação do governo quanto à manutenção do ensino superior público e gratuito. A própria fragilidade política desse começo de governo não permitia uma defesa mais contundente dessa desobrigação.

Entretanto se observa que a estratégia de se voltar para os interesses da comunidade estava condicionado a critérios de desempenho acadêmico limitados à própria manutenção econômica das atividades, ou seja, tanto o ensino quanto a pesquisa, em sua dimensão socializadora, restringiam-se aos interesses de quem os financiava, (que não era a maioria da população), colocando mais uma vez em xeque a relação "autonomia universitária vs. compromisso social" que orientou as discussões nos primeiros anos da década.

2. O Programa Nova Universidade elaborado no interior do MEC através da Secretaria de Educação Superior _ SESu _, foi considerado um programa "de apoio e fomento às ações da universidade, tendo como eixo central a geral e comum aspiração pela qualidade de ensino"( MEC/SESu, 1985, p.6).

Enquanto instrumento de agilização das ações, seu propósito era incorporar diretrizes políticas, preconizadas no Relatório da "Comissão de Alto Nível", no que se refere à qualidade da graduação e do desempenho universitário. Para Vieira (1990), entretanto, "(...) o PNU parece ter representado uma estratégia de introduzir o procedimento da negociação de recursos caso a caso, entre as instituições e a SESu _ o que, sem sombra de dúvida, aumenta o poder de barganha política do Ministério"(p.81/2).

A concepção de universidade presente nesse programa era a de "centro de elaboração, de formação e de comunicação do saber (...) comprometida com o objetivo estratégico de redução da dependência científica e tecnológica do País"(MEC/SESu, 1985, p.7).

Tendo por referência central a qualidade do ensino de graduação, o PNU destacava quatro linhas prioritárias de ação: aprimoramento do ensino de graduação; comprometimento com o desafio da educação básica; acompanhamento e avaliação institucional e relacionamento da universidade com a sociedade, onde, nessa última, a extensão universitária se constituiu em instrumento privilegiado de integração da universidade com seu contexto social.

Considerada "atividade-fim do sistema acadêmico" e sendo conceituada como "método efetivo e real que permite a compreensão da rápida evolução da sociedade e a conseqüente atualização das práticas de ensino e pesquisa"( id., p.45), a extensão visava projetar a universidade na comunidade, através da participação das IES no processo social e na formação de profissionais conscientes e capazes de atuar como agentes transformadores.

Portanto, nesse programa, a qualidade da contribuição universitária se vinculava à natureza de seu relacionamento com a sociedade, ou seja, com o efetivo comprometimento das IES com seu meio, principalmente na formação de profissionais-cidadãos que através de um conhecimento aprofundado da sua realidade teria condições de interferir para a transformação social.

Toda essa centralidade da extensão universitária no processo de melhoria da qualidade do ensino de graduação, com a formação de profissionais comprometidos com o seu meio, trazia implícito, a idéia da valorização da atividade extensionista, tornando-a indissociável ao ensino e a pesquisa, tendência que já vinha sendo observada, tanto nos discursos do CRUB como do próprio governo, como se pode observar nessa reivindicação de "equilíbrio entre as três funções básicas da universidade".

Denunciando a prática existente que implementava a extensão como uma ação paralela às outras atividades, o PNU propunha uma supervisão ministerial com o objetivo de promover, estimular, orientar e acompanhar as atividades das IES que demonstrassem comprometimento da universidade com o seu meio, estendendo o saber produzido e captando o que havia de essencial para a renovação de conteúdos de ensino; essa é a imagem da mão dupla presente na política extensionista implementada pelo Fórum de Pró-Reitores de Extensão a partir de 1987. A extensão passou a ser, portanto, o paradigma para a "nova universidade" de um governo denominado de "nova república" e, ao mesmo tempo, instrumento justificador da intervenção do MEC nas IES.

Para operacionalizar as ações de articulação, supervisão e acompanhamento, a SESu sugeria a realização de reuniões periódicas de consultores da área de extensão universitária, tendo por objetivo analisar as ações desenvolvidas, bem como reuniões regionais de pró-reitores de graduação e extensão, visando discutir e avaliar as atividades de extensão como prática de ensino e intercâmbio de experiências.

Os projetos de extensão considerados prioritários para financiamento teriam de fazer parte de um programa institucional onde os objetivos educacionais predominassem sobre os de natureza assistencialista ou de prestação de serviços, visando se constituir num mecanismo de transformação, em nível de conteúdo e de metodologia de ensino, além de promover mudanças em segmentos da sociedade, o que coincidia com a proposta do movimento docente organizado.

É importante salientar que o PNU deu uma destinação mais específica à extensão universitária ao transformá-la em instrumento de avaliação dos cursos ofertados pelas IES, não havendo relação explícita da mesma com a pesquisa. Ao ser considerada "método efetivo e real" para a compreensão das transformações sociais que se efetivavam, responsável pela atualização das práticas de ensino e pesquisa por elas requeridas, acabava por assumir uma função avaliativa dentro da estrutura universitária, que não lhe cabia isoladamente, deixando de ser, na prática, atividade-fim preconizada no discurso governamental.

3. Outra proposta de reestruturação do ensino superior, ocorrida na segunda década dos anos 80 que teve grande repercussão na sociedade civil organizada foi a elaborada pelo GERES. Criado no interior do MEC, em março de 1986, o Grupo Executivo para a Reformulação da Educação Superior _ GERES _ tinha por objetivo dar seguimento ao conjunto de proposições elaboradas pela "Comissão de Alto Nível" para a educação superior, através de uma proposta operacional.

Enquanto essa comissão se propôs reestruturar toda a educação superior, o GERES tinha a clara disposição de reestruturar apenas o segmento federal do sistema de ensino superior, retomando a política governamental dos primeiros anos da década de 80 que insistia em conceder a autonomia universitária aos estabelecimentos federais com a nítida intenção de desobrigar o governo do financiamento desse nível de ensino.

A concepção de universidade presente no relatório, datado de setembro do mesmo ano, contemplava dois tipos de instituição: 1) a universidade do ensino em que a pesquisa científica não era uma atividade-fim, sendo substituída pelo uso do método científico incorporado à prática didática do cotidiano; 2) a universidade do conhecimento, considerada modernizante, baseada no desempenho acadêmico e científico, protegida das flutuações de interesses imediatistas.

Esse último modelo sinalizava para a privatização da produção de conhecimento na universidade, submetendo as suas atividades, sobretudo as de pesquisa e de extensão, ao controle de agentes financiadores, constituindo-se em uma alternativa contrária à chamada "universidade alinhada", identificada por seus elaboradores como a proposta que a ANDES formulou para a universidade desde 1982, na qual as suas "atividades são meios para atingir certos objetivos políticos para a sociedade e cujos paradigmas são ditados não pelo desempenho acadêmico dos agentes, mas pelo seu grau de compromisso político-ideológico com as forças populares"(GERES In: ESTUDOS E DEBATES, 1986, p.34).

Por outro lado, ao propor a autonomia como único critério definidor de uma universidade, sendo essa entendida como "autonomia acadêmica" necessariamente associada à "autonomia financeira" _ já que, segundo os elaboradores, a restrição dos meios poderia tolher a liberdade acadêmica _ elegeu-se a avaliação de desempenho como critério definidor para a alocação de recursos financeiros nas IES. A vinculação expressa entre desempenho acadêmico e recursos financeiros possibilitava o aparecimento dos "centros de excelência", ou das "universidades do conhecimento", em detrimento das ditas "universidades de ensino", em que a venda de serviços, tanto na área da pesquisa como na da extensão, seria um meio de garantir recursos adicionais para custeios e salários, perpetuando-se as desigualdades entre diferentes IES.

Fica bastante evidente que a extensão universitária, na proposta do GERES, que reproduz o pensamento explicitado pela "Comissão de Alto Nível", se constituiu num instrumento de privatização do conhecimento produzido pela universidade além de ser um mecanismo de captação de recursos financeiros para manutenção do ensino superior, através da prestação de serviços.

A dimensão socializadora da universidade, que sempre esteve relacionada com as atividades de extensão, era vista a partir de um controle social desenvolvido através da avaliação de desempenho que "sem inviabilizar contudo sua interação com as legítimas necessidades da sociedade", deveria se preocupar ou se proteger "das flutuações de interesses imediatistas", significando não priorizar o "compromisso político-ideológico com as classes populares" que caracterizaria uma "universidade alinhada" e não "de conhecimento", esta sim, modernizante, segundo a ótica dos formuladores (GERES, 1986, p.4).

A avaliação de desempenho objetivando formular critérios para alocação de recursos se respaldava, entre outros aspectos, na extensão enquanto venda de serviços, justificando a distribuição desigual do apoio financeiro governamental a essas instituições. Quanto mais a universidade se subordinava à dinâmica do mercado maior o aporte de recursos financeiros que lhes era destinado, ou seja, o GERES, ao defender o privilegiamento para alguns "centros de excelência", só conseguia vislumbrar a extensão universitária enquanto veículo de produtividade desses setores, assumindo que a universidade deveria ser produtora de conhecimentos para aqueles que poderiam pagar os seus serviços: é a cultura empresarial ou o alinhamento da universidade aos interesses dominantes.

Enfim, as propostas de reestruturação da universidade elaboradas pelo Governo, durante a "Nova República", contemplava a extensão universitária de forma múltipla e diferenciada, ou seja, instrumento de avaliação de desempenho para a concessão de recursos financeiros, veículo de prestação de serviços pagos, método efetivo e real para a compreensão da evolução social, forma de transferência do conhecimento à sociedade.

Os anos 90 iniciam-se com incertezas e indefinições com relação aos destinos da universidade. O Governo eleito não anuncia nenhuma política para as Áreas Sociais, particularmente para a Educação entretanto havia uma posição do MEC em iniciar a discussão através do tema autonomia universitária, considerado ponto básico para qualquer tipo de discussão, segundo declaração do Diretor do Departamento da Política de Ensino Superior da SENESu/MEC, Prof. Paulo Thompsom Flores.

4. O primeiro ano do Governo Collor na área educacional foi marcado por ações tópicas, limitando-se a anúncios de planos ou programas. Em dezembro de 1990, era apresentado à Nação o "Programa Setorial de Ação do Governo Collor na área de Educação.1991/1995", constituindo-se no primeiro documento oficial de Governo que explicitava a política educacional, fixando metas e definindo recursos.

Dentro das Prioridades e Inovações contidas no documento citado, o item 2.9 referia-se à Autonomia da Universidade, implicando um processo de desregulamentação que abriria "a possibilidade de as Universidades fixarem o salário dos professores e realizarem concursos para contratação de pessoal, de acordo com suas próprias necessidades" (MEC, 1990, p.25).

Em fevereiro de 1991, quase um ano após a sua posse, o Governo Collor lançou um documento denominado "Brasil, um projeto de reconstrução nacional" popularmente conhecido como "Projetão", onde, com relação ao ensino superior, entre outros aspectos, destacavam-se a implantação da autonomia universitária nos moldes do Plano Setorial; a obtenção de maior eficiência na gestão das universidades federais, instituindo um novo sistema de alocação de recursos financeiros articulado à avaliação de desempenho, para incentivar ganhos de produtividade e de qualidade no ensino; o incentivo à integração da pesquisa com a extensão, estimulando as universidades a buscarem recursos extra-orçamentários para complementar seus orçamentos de pesquisa, sobretudo junto às empresas; e a discussão da gratuidade indiscriminada do ensino público de graduação e da dimensão da oferta de vagas pelo Governo Federal (BRASIL, 1991, p.70/1).

Como resultado dessa política, o Governo elabora um Projeto de Emenda Constitucional _ PEC nº 56/91_, tratando da autonomia universitária, onde pretendia destinar à universidade um percentual fixo da receita resultante de impostos, da parte vinculada à educação que, além dos salários e das despesas de custeio e novos investimentos, deveria pagar as aposentadorias e pensões dos seus funcionários.

Para viabilizar a autonomia universitária, o Projeto propôs que se buscassem fontes alternativas de financiamento pela necessária interação com a comunidade, ou seja, a privatização da universidade concretizada através da venda de prestação de serviços, colocando a extensão como veículo privilegiado para a sua efetivação.

O ano de 1992 foi iniciado com o Governo Collor e concluído com o Governo Itamar Franco que assume a administração do País até 1995. No nível da política para o ensino superior, não houve grandes modificações, continuando o MEC a estabelecer as bases a partir das quais deveria se promover a crescente privatização do ensino superior no País. Essas bases abrangiam desde as dificuldades na tramitação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), no Congresso Nacional, à tentativa de imposição da Proposta de Emenda Constitucional (PEC-56), que pretendia definir a autonomia para a universidade e retomava, basicamente, os mesmos princípios do projeto GERES, passando pelo Modelo de Financiamento para as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), incorporada, em parte, ao projeto de Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) para 1993.

O ano de 1995 possibilitou o fortalecimento do modelo neoliberal do governo Fernando Henrique Cardoso que consegue elaborar várias políticas governamentais na área da previdência social, da saúde, da administração pública e da educação, entre outras, nas quais se enfatizam os seguintes aspectos: a prioridade para o ensino obrigatório de primeiro grau; a valorização da escola e de sua autonomia; a promoção da modernização gerencial no ensino e nos órgãos de gestão; a utilização e disseminação de modernas tecnologias educacionais; a progressiva utilização do MEC num organismo eficaz de formulação, coordenação e acompanhamento de políticas públicas na área educacional, e a conseqüente redução de seu papel executivo; além da articulação de políticas entre os três níveis da federação, de maneira a obter resultados mais eficazes. Com relação ao ensino superior, a este é destinada a missão de ser "elemento estratégico para o desenvolvimento nacional".

5. Ao se analisar o Planejamento Político-Estratégico 1995/1998, elaborado pelo MEC, fica claro que, se não houver uma mobilização intensa da sociedade civil organizada para fazer valer conquistas históricas conseguidas ao longo dos anos 80, as diretrizes previstas para a extensão universitária e, em geral, para a universidade pública no seu todo, não terão chances de fortalecimento já que o direcionamento tomado pelo governo vai de encontro ao que já se conseguiu avançar até agora.

Para o ensino superior, a busca da qualidade se pauta pela "racionalização dos gastos, aproveitamento do enorme potencial que as instituições de ensino superior representam, em termos de recursos humanos e físicos mobilizáveis com vistas ao desenvolvimento econômico e social do país"( MEC, 1995, p.5/6), onde a prioridade é a implantação da autonomia financeira na rede federal para "assegurar aumento de eficiência na gestão e uma maior liberdade na execução"(id., p.7), o que significa, na prática, a desobrigação do poder público com a educação superior e a inviabilização de um paradigma de universidade voltada às necessidades e aos interesses de setores da população historicamente marginalizados, já que a autonomia financeira, posta, impede qualquer proposta alternativa que não esteja dentro dos parâmetros definidos pelo Governo central.

Ressaltando alguns problemas estruturais inerentes ao sistema de ensino superior facilmente comprovados, o Plano Político-Estratégico do Governo para a Educação coloca como solução a implantação de um sistema de controle em que, através da avaliação da qualidade dos serviços prestados, estabelecem-se padrões mínimos de eficiência e eficácia para o uso dos recursos públicos.

Como sugestão para melhorar o padrão de qualidade do ensino de graduação, propõe-se a realização de exames de final de curso e avaliação por comissões especiais; para controlar a qualidade, o documento aponta para o recredenciamento periódico das IES baseado em processos avaliativos, e para estimular a pesquisa, a reorganização do processo de avaliação da CAPES, tendo em vista a ampliação da formação no nível de pós-graduação strictu sensu para os docentes de nível superior, a readequação da pós-graduação em sentido lato, a criação de mestrados strictu senso profissionalizantes e a consolidação dos "centros de excelência" em pesquisa e pós-graduação (id., p.27). Em nenhum momento se questiona o modelo econômico em vigor, dando-se ênfase aos aspectos técnicos e racionais como solução para os problemas existentes.

Dentro desse entendimento, as propostas para a reestruturação das IES públicas se pautam na autonomia total das Instituições de Ensino Superior para as quais o Governo se compromete a repassar os recursos financeiros de forma global, associando e limitando os mesmos a indicadores de desempenho para incentivar ganhos de produtividade que incluem a busca por recursos extra-orçamentários, através de parcerias junto às empresas; na autonomia dos Hospitais Universitários e na instituição de um novo regime jurídico para docentes e servidores excluindo-os, assim, da pretensa isonomia prevista na atual Constituição brasileira.

Ao tratar da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão o documento do MEC aponta para algumas tímidas ações pontuais, sem um sentido institucional-orgânico-curricular, dentro de uma dimensão de prestação de serviços, sem vínculo nenhum com uma proposta mais ampla de intervenção na realidade, como, por exemplo, promover a integração da pós-graduação com a graduação; incentivar as relações entre o setor produtivo e entre as universidades e as políticas de desenvolvimento regional; apoiar programas de formação de professores e de aperfeiçoamento em serviço; ampliar a oferta de vagas pela otimização dos recursos, incentivando a abertura de cursos noturnos e estimular o ensino superior a distância, analisando a possibilidade de se criar a "universidade aberta" ( id., p. 29).

Existe hoje, por parte do governo, uma tentativa de recriar projetos que, historicamente, se vinculam a concepções já ultrapassadas de extensão universitária, marcada por eventos, descontextualizados da exigência curricular acadêmica, assistencialistas, sem relação direta com os interesses e com as necessidades das comunidades atendidas, que nem sequer foram ouvidas, nem das prefeituras das cidades escolhidas para a atuação das ações, negando, desconhecendo e inviabilizando toda uma política articulada pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. Essas tentativas podem ser resumidas no "Projeto Universidade Solidária".

O que se observa dentro desse delineamento político para o desenvolvimento de ações de extensão universitária é uma tentativa de diminuir a área de atuação das universidades com relação a forma de intervenção na realidade. Caso queiram obter recursos para desenvolver suas atividades de extensão, as universidades voltam a ser meras executoras de ações propostas por agentes externos, submetendo-se às diretrizes traçadas pelo Governo que, praticamente, priorizam a prestação de serviços através do oferecimento de cursos para capacitar recursos humanos.

Tendo consciência da importância da educação no processo de fortalecimento de uma nova direção político-econômica que se quer consensual e hegemônica e não contando com uma resistência forte e organizada por parte da sociedade civil organizada na área da educação capaz de redirecionar suas investidas, o Governo enviou, ao Congresso Nacional, Propostas de Emendas à Constituição _ PEC nº 233 -A _, de 1995, tentando convencer à sociedade de que o problema da educação não se dá pela escassez de recursos financeiros a ela atribuída mas pelo "evidente desequilíbrio na repartição de responsabilidades e recursos"( p. 9), propondo, para tanto, a criação de mecanismos de redistribuição de recursos fiscais dos Estados e Municípios.

Entre algumas tentativas de restrição dos direitos já garantidos, como a limitação da gratuidade do ensino em estabelecimentos oficiais, com destaque para a exclusão dos cursos superiores de pós-graduação lato sensu, considerados atividades de extensão universitária, e que, segundo a Proposta, se constituem em "fonte de receita própria não desprezível"(id., p.11) o Governo, através da PEC nº 233 - A, aponta para um modelo de universidade eficaz e racional, que exige, para sua efetivação, "uma correta formulação da questão da autonomia universitária"(id., ib.).

Melhor dizendo: pretende-se engessar o princípio constitucional da autonomia universitária, considerado não auto-aplicável para as universidades mantidas pelo Estado, através de uma legislação infra-constitucional, justificando "que estão elas sujeitas aos regulamentos da administração pública, como entidades que são da administração indireta"(id., ib.).

A proposta do Governo efetivada através da PEC nº 233-A não obteve a aceitação desejável das entidades representativas de segmentos universitários nem do próprio Congresso. Em abril de 1996 foi aprovada a proposta de desmembramento da PEC 233-A/95 retirando da mesma o artigo 3º que propunha alteração no art. 207 da Constituição Federal, constituindo-se na PEC 370/96, acompanhada de várias emendas. O Governo que antes defendia a desconstitucionalização da autonomia universitária muda radicalmente e propõe a sua constitucionalização fundamentada na lógica do mercado, na produtividade e qualidade total, na avaliação quantitativa para concessão de Dotação Orçamentária Global, com controle finalístico, enfim o Governo estabelece um novo conceito de autonomia universitária e conseqüentemente de extensão universitária.

Em paralelo, é aprovado no Senado Federal a Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996, que fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, observando-se que no Capítulo IV _ Da Educação Superior, privilegia-se uma nova forma de estatuto jurídico especial para as universidades públicas, leia-se Organizações Sociais de caráter privado, "para atender às peculiaridades de sua estrutura, organização e financiamento pelo Poder Público, assim como dos seus planos de carreira e do regime jurídico do seu pessoal"(art.54).

Como a concepção de autonomia do governo se vincula a indicadores de eficiência que não estão definidos nem são consensuais, as determinações contidas na Lei nº 9394/96, principalmente em seu art. 53, se atêm a limitar a autonomia das universidades aos recursos orçamentários disponíveis, o que não quer dizer muita coisa.

Ora, no momento em que se aprova mudanças na Constituição que restringem direitos conseguidos através da luta desenvolvida por toda a sociedade civil organizada com o pretexto de que a Carta Magna acolheu,

aspirações e interesses de diversos segmentos da sociedade, sem a necessária avaliação da efetiva possibilidade da ação governamental (...) [gerando] compromissos que ampliam em muito a complexidade da gestão da Educação, nas três esferas do Poder Público (acrésc. nosso)(PEC nº 233-A, 1995, p.8) .

e uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que inviabiliza uma concepção de universidade democrática, porque pública e comprometida com as necessidades de uma parcela maior de beneficiários que não podem pagar pelos serviços de Educação, como fica a política de extensão universitária vista como resultado das ações de ensino e pesquisa voltadas para os interesses e necessidades da maioria da população? Ou melhor: como é tratada a extensão universitária neste novo ordenamento legal ?

As finalidades da Educação Superior contidas na Lei 9394/96, a qual incorpora as diretrizes do governo para a educação brasileira, não deixam clara a concepção sobre extensão universitária que tanto pode estar vinculada ao ensino enquanto transmissão _ quando trata de "divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos (...) e comunicar o saber" _, como à prestação de serviços _ quando se refere a "prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade" ou, ainda, como "difusão cultural e de pesquisa científica e tecnológica" (art. 43). Entretanto é visível a vinculação da extensão universitária a sua tradicional forma de cursos "abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições de ensino"(art.44, IV) e como forma de financiamento público às escolas privadas ao possibilitar apoio financeiro sob a forma de bolsas de estudo (art.77 &2º).

Por outro lado, o direcionamento tomado nas discussões sobre autonomia universitária, modelos de universidade e financiamento para a educação, até o presente momento, parece não contemplar o fortalecimento de ações de ensino e pesquisa que se voltem para um rompimento com diferentes níveis de dependência econômica, cultural e política, através da articulação orgânica com a sociedade organizada em seus vários níveis (sindicatos, órgãos públicos, organizações populares, categorias profissionais etc.).

Enfim poder-se-ia afirmar que as propostas de reestruturação da universidade pública pelo Governo, a partir dos anos 80, sempre colocaram a extensão universitária como uma terceira função responsável, em alguns momentos, por uma ação assistencialista voltada às camadas carentes da população, visando a divulgação da ideologia dominante, em outros, responsável pela venda de serviços com o intuito de arrecadar recursos para a manutenção da universidade _ o que não deixa de ser a privatização de um serviço público. Por outro lado, as políticas governamentais na área da educação superior sempre tentaram inviabilizar a compreensão de autonomia universitária enquanto liberdade acadêmica para elaboração de políticas que privilegiem a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, com a participação da comunidade universitária nas ações integradas, através de projetos interdisciplinares, em parceria com as administrações públicas, nas suas várias instâncias, e com as entidades da sociedade civil organizada.

Se o momento presente parece não apontar para o fortalecimento de um paradigma de universidade democrática porque produz e socializa o conhecimento científico para toda a sociedade, a solução, segundo Gramsci, é lutar cotidianamente pela conquista de espaços e posições, envolvendo cada vez mais toda a comunidade acadêmica e os organismos da sociedade civil comprometidos com a transformação social, para que continue a existir um intenso trabalho de crítica, de penetração cultural e de difusão de idéias a serviço da maioria da população.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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