INOVAÇÃO NA UNIVERSIDADE: A PESQUISA EM PARCERIA

 

Autores: LEITE, Denise B.C.; FERNANDES, Cleoni B (Dda).; BRAGA, Ana M.S. (Dda.); GENRO, Maria E. H. (Dda.-CNPq); FERLA, Alcindo A.(Mdo); CAMPANI, Adriana (Mdo – CAPES); CAMPOS, Márcia M.C.(BAP- CNPq); ALVES, Evandro (BAP- CNPq); NOLASCO, Luciane S. (BIC- CNPq); CUNHA, Maria I.(UFPel); LUCARELLI, Elisa (UBA/Arg.); VEIGA, I. (UNB).

 

Introdução

A pesquisa inovação como fator de revitalização do ensinar e do aprender na Universidade

O trabalho na pesquisa Inovação envolve diferentes grupos e universidades de dois países do Cone Sul: Brasil e Argentina. Tais grupos de pesquisadores concentraram sua busca de conhecimentos na descoberta de experiências inovadoras que estivessem acontecendo na Universidade. O ponto de partida dos pesquisadores foi o repúdio ao pensamento dominante, mais tradicional, sobre o conceito de inovação. Esse conceito, na literatura, tem como definição (OCDE, 1983):"Inovação é toda tentativa visando consciente e deliberadamente introduzir uma mudança no sistema de ensino com a finalidade de o melhorar".

A idéia de 1983 continua presente hoje. Em 1997, por exemplo, o INEP definiu inovação como toda a experiência educacional que introduz um determinado tipo de mudança na cultura ou prática escolar, através de uma intervenção intencional ou proposital. A mudança precisa obedecer a uma seqüência lógica de passos para chegar, com sucesso, ao objetivo estabelecido.(cf. MEC/CRIE/CRED,1997).

O grupo de pesquisa se colocou assim, contra a idéia de intencionalidade da inovação, na perspectiva da ação político-administrativa da autoridade educacional. Questionando os limites dessa intencionalidade, que visa introduzir a mudança dentro do sistema, entendeu o grupo que deveria buscar outras possibilidades.

Essas outras possibilidades foram pesquisadas em experiências micro e macro institucionais, muitas vezes anônimas, que se realizam nas universidades. Para isso, foi necessário clarear quais possibilidades seriam essas e quais os princípios que as identificava.

Ao analisar os casos em estudo, nas diferentes universidades, nos distintos países, com suas peculiares circunstâncias, o grupo descobriu que estava construindo, por dentro, um novo caminho metodológico, hoje denominado pesquisa em parceria.

Porquê o caracterizamos como um processo inovador?

Em princípio, porque se diferenciava da forma usual de fazer pesquisa na universidade, a qual segue os cânones da racionalidade da ciência moderna, para produzir conhecimento científico. Este artigo tem por objetivo discutir o processo de Pesquisa em Parceria e levantar a possibilidade de que ele constitua uma inovação.

Produção usual de conhecimentos na Universidade

Em geral, a educação, por estar situada entre as ciências humanas e sociais, sofreu a influência do desenvolvimento dessas ciências. "Por muito tempo, elas procuraram seguir os modelos que serviram tão bem ao desenvolvimento das ciências físicas e naturais, na busca da construção do conhecimento científico do seu objeto de pesquisa" (André, 1986, p.3). Nesta busca, a produção de conhecimento seguiu o paradigma da modernidade, cujos traços mais distintivos são: luta contra o dogmatismo e a autoridade do saber aristotélico e medieval; distinção entre conhecimento científico e senso comum; desconfiança com a evidência imediata e com a intuição; poder do homem de intervir e modificar a natureza como se fora um objeto externo a si mesmo (Santos, 1984; 1989).

Com base nesses pressupostos, o conhecimento científico avançou pela observação sistemática e, tanto quanto possível, rigorosa, dos fenômenos naturais. A experiência não dispensa a teoria prévia, o pensamento dedutivo e a especulação. Os modelos que presidiram a observação e a experimentação foram idéias claras e simples: os modelos explicativos matemáticos. A matemática forneceu à ciência moderna, o instrumento privilegiado de análise, a lógica da investigação e, ainda, o modelo de representação da própria estrutura dos fenômenos observados.

Desta percepção, derivaram duas grandes conseqüências para a ciência moderna e para a educação em seu primeiro estágio de desenvolvimento de pesquisa. A primeira conseqüência - conhecer significa quantificar - evidencia o rigor científico como resultado da medição. Muitas vezes, a qualidade dos objetos não são devidamente exploradas. Só as quantidades em que podem se traduzir, devem ser procuradas. A segunda conseqüência - o método científico assenta na necessidade de redução da complexidade - implica em conhecer dividindo e classificando, para depois poder estabelecer relações sistemáticas entre o que foi separado (cf. Santos, 1989).

O conhecimento científico é um conhecimento causal que aspira à formulação de leis, à luz de regularidades observadas, com vistas a prever o comportamento futuro dos fenômenos. As leis da ciência moderna privilegiam a causa formal: o como funciona, e não qual o agente ou qual a finalidade das coisas. Aqui se dá o rompimento com o senso comum e com o saber prático, onde a causa e a intenção convivem sem problemas.

Ao produzir conhecimento na Universidade, dentro dessa linha de raciocínio, observam-se alguns dos seguintes desdobramentos da pesquisa e procedimentos dos grupos de pesquisadores (vide, por exemplo, autores tradicionais como: Hayman (1969); Travers (1971); Van Dallen y Meyer (1971); Oliveira (1986); Santos(1989)).

Objetivos e finalidades da pesquisa:

Métodos de pesquisa:

Instrumentos

Resultados e sua aplicação

Grupos de pesquisa

O exemplo mais recente e marcante de perpetuação desta lógica, vem da orientação do órgão máximo de financiamento da pesquisa nacional - CNPq. Esta agência de fomento voltou a priorizar a figura do pesquisador líder de grupos. Sobre este tema, Oliveira (1986; pág. 67) diz que a pesquisa em grupo na Universidade, pode ser agrupada em três tipos: agregação, linhas de pesquisa es atividades interdisciplinares. Na primeira, as pesquisas e os temas não tem interdependência, "qualquer semelhança, não passa de mera coincidência." È uma saída organizacional para atender órgãos de financiamento. Na segunda, diz Oliveira: "só muito raramente as linhas de pesquisa correspondem a uma real interação intelectual entre os membros de um mesmo departamento". Já na terceira, reúne-se interesses am torno de um problema ou de uma metodologia, e estas favoreceriam a interação entre pesquisadores de diferentes disciplinas. Para o autor, há uma relativa escassez desses grupos pela sua vulnerabilidade frente aos interesses específicos das agências de fomento.

Por não ter se filiado incondicionalmente aos paradigmas tradicionais, e não tendo encontrado ainda seu estatuto epistemológico, a educação permanece num estado constante de procura. Ora trabalha com as teorias e instrumentos das ciências naturais; ora se insurge contra estes, e procura, em diferentes tempos históricos, em autores e instrumentos da sociologia, da psicologia e da filosofia (por exemplo, em Marx, Bourdieu, Foucault, Piaget, Ricoeur, ...), o seu caminho metodológico, para a construção de um conhecimento que dê conta da complexidade educacional.

Em geral, esse conhecimento não pragmático, produzido, tem características discursivas e críticas. Porém, nem sempre emerge das necessidades das realidades particulares e concretas. Por isto, muitas vezes, não oferece alternativas para os problemas da prática educacional. E, ainda que esta produção de conhecimento, apoiada por metodologias qualitativas, produza resultados importantes, ela não tem conseguido modificar a dinâmica de funcionamento dos grupos. Estes se mantém na mesma lógica que patrocinou a ciência moderna - hierarquizados e fechados no seu nicho de proximidade epistemológica e, portanto, de controle do conhecimento.

Mesmo com teorias críticas, a pesquisa em educação continua se utilizando de práticas de pesquisa, até certo ponto, conservadoras. Ao apoiar-se em autoridades do campo epistemológico, os grupos de pesquisa perpetuam a corrente paradigmática, legitimando seus apoiadores.

A construção de uma outra perspectiva do trabalho de pesquisa em grupo que fuja à lógica dominante, da "ciência normal", seria uma possibilidade de inovação na Universidade?

Acreditamos em uma resposta positiva. Descobrimos que é possível produzir em parceria para construir conhecimento, para produzir inovação.

 

 

Pesquisa em parceria

A construção do projeto de investigação coletiva teve início em 1990, quando pesquisadores da Faculdade de Educação da UFRGS convidaram professores presentes à reunião anual da ANPED, em Belo Horizonte, para a montagem de um projeto conjunto de investigação sobre ensino superior. A idéia original era investigar questões relativas ao ensinar e ao aprender na graduação. Junto com ela, outra idéia fundamente: o trabalho seria um passo importante para tirar os pesquisadores do comum isolamento em que trabalham e, acima de tudo, a chance do construir um conhecimento coletivo.

Num primeiro momento, das doze universidades que atenderam ao convite, apenas três (UFRGS, UFPel e UFPA) aceitaram o desafio. A perseverança e seriedade do trabalho do núcleo inicial, no qual permaneceram a UFRGS e a UFPEL, conquistou, aos poucos, outros grupos: da UCVAL - Universidade Católica de Valparaíso, Chile e, mais tarde, da UBA - Universidade de Buenos Aires, Argentina e, depois, a UnB.

O projeto inicial, apoiado pelo CNPq e FAPERGS, chamou-se "Para a revitalização do ensinar e do aprender na Universidade". Os resultados foram apresentados em eventos nacionais, XV, XVI e XVII ANPED, e internacional, Espanha, 1995. Dois livros foram produzidos, Papirus e UFPel, e vários artigos em diferentes revistas. A experiência se mostrou tão rica que o grupo organizou outro projeto: "Inovação como fator de revitalização do ensinar e do aprender na Universidade". Enquanto a primeira pesquisa mostrava a dificuldade de proceder rupturas com os paradigmas tradicionais do ensino e da aprendizagem, a pesquisa seguinte procurou identificar os espaços, porventura existentes, de procedimentos inovadores na Universidade, que evidenciassem um certo grau de ruptura, em diferentes níveis, na produção de conhecimento e nas relações de poder. Esses estudos, desenvolvidos nas quatro Universidades (UFRGS, UFPel, UBA e UnB) mostraram que, para além da descoberta de experiências micro e macro institucionais, que rompem com o paradigma da ciência moderna e com a lógica de sua construção, o próprio fato de construir a parceria para a pesquisa, constitui uma inovação.

 

Quadro 1: Pesquisa em Parceria

 

 

CONCEITO

É uma aproximação pela diferença, tendo como resultado a produção de conhecimento.

 

 

 

CARACTERÍSTICAS

  • Aproximação do grupo de pesquisa: tema que atraia, seja de interesse comum e que possibilite a pesquisa em uma perspectiva de construção coletiva;
  • O comum se constrói pelas diferenças, pela necessidade de compartilhar; pela tentativa de compreensão do pensamento do outro, pela escuta ao discurso do outro.
  • A partilha do conhecimento se dá na discussão sobre a prática da investigação.
  • Resorte articulador: as deficiências e as necessidades, as inquietações, o descontentamento e o desconforto, aproximam as Universidades.

 

 

 

 

REPULSÃO E ATRAÇÃO: onda e partícula no processo de parceria

  • A mola propulsora do trabalho, o resorte articulador, inicial é importante para o estabelecimento da continuidade e elasticidade do processo.
  • A atração se dá por deficiências percebidas e necessidade sentidas:
  • parte do grupo tinha uma prática pedagógica na Universidade e não dominava uma teoria que a explicasse;
  • Parte do grupo tinha aportes teóricos que não estavam ancorados em uma prática universitária concreta;
  • Parte do grupo tinha uma prática e teoria cerceados por questões políticas e ausência de condições para a produção do conhecimento na própria Universidade.
  • A repulsão tem seu desdobramento: no egoísmo da propriedade intelectual que se desdobra nas individualidades que tentam se sobrepor às outras na luta concorrencial dentro do campo científico, e também, no campo burocrático, especialmente no acesso a recursos.

 

 

 

PROCESSO: "assim caminha a humanidade" - "El camino se hace al caminar"

 

 

  • No processo o caminho se constitui pela necessidade de sobrevivência dos grupos científicos;
  • Depois, o processo continua pela contaminação, especialmente das idéias e conhecimentos que se vão produzindo;
  • Os nichos construídos através do processo de investigação não desenraízam culturalmente; cada Universidade mantém os seus vínculos, mantém as diferenças, ou seja, sua identidade;
  • Criam-se novas fronteiras porque não se precisa invadir a esfera dos outros. No processo de alongamento da fronteira contribui a linguagem, ou seja, trabalha-se com a linguagem com que são feitas as perguntas; constroem-se conteúdos para as diferenças que evoluem em conteúdos para a transformação.

 

 

(IN)CERTEZAS DA PESQUISA EM PARCERIA

  • Ao método único opõe-se a pluralidade metodológica;
  • A importância da intencionalidade e da vontade de conhecer;
  • Auto-descoberta de talentos e disposição de colocá-los no trabalho coletivo;
  • Desenvolvimento do protagonismo, a possibilidade de os sujeitos dizerem a sua palavra;
  • A partilha é mais rica que a caminhada solitária.

A articulação entre os conceitos de inovação e ruptura foi o "resorte" fundante da teorização sobre este processo - a nova maneira de fazer pesquisa. Para o grupo, Inovação é um processo descontínuo, de ruptura com os paradigmas tradicionais vigentes no ensino e na pesquisa, ou uma transição paradigmática com reconfiguração de saberes e poderes que está acontecendo em diferentes espaços acadêmicos e em diferentes universidades. Ruptura com os paradigmas tradicionais pressupõe ir além da racionalidade cognitivo-instrumental , sobrepondo-lhe outras racionalidades, como cognitivo-afetiva e, como propõe Santos (1989,1994), a estético-expressiva e a moral-prática, reconfigurando os saberes científicos, as humanidades e o senso comum, reconfigurando também as relações de poder. A ruptura no estado germinativo (cf. Lucarelli, 1992), envolve descontinuidades e rompimentos com o status quo e tem um caráter tolalizador das variáveis antes vistas como parcelares.

Inspirados nesta articulação, os pesquisadores passaram a entender que a pesquisa em parceria busca produzir conhecimento, aproximando pela diferença. (vide quadro 1).

Porquê a aproximação pela diferença?

Porque cada grupo de pesquisa, em cada Universidade, tem todo um entorno peculiar, que o caracteriza como aquele grupo dentro daquela Universidade. O que aproxima esses diferentes grupos dessas diferentes universidades, são as deficiências, necessidades, inquietações, descontentamento, desconforto, que têm em comum, a ponto de reuni-los numa perspectiva coletiva de (re) construção. O comum se constrói pelas diferenças, pela necessidade de compartilhar, pela tentativa de compreensão do pensamento do outro, pela escuta ao discurso do outro. A partilha do conhecimento se dá na discussão sobre a prática da investigação.

O que há de comum na diferença?

A aproximação dos diferentes se deu num processo de atração e repulsão, ou aprendendo com a física, onda e partícula no processo de parceria. Onde a atração se fez pelas deficiências percebidas e necessidades sentidas; porque uma parte do grupo tinha uma prática pedagógica na Universidade e não dominava uma teoria que a explicasse; porque outra parte do grupo tinha aportes teóricos que não estavam ancorados em uma prática universitária mais articulada; porque mais outra parte do grupo tinha uma prática e teoria cerceados por questões políticas e ausência de condições para a produção do conhecimento na própria Universidade. A repulsão se deu pelo sentimento comum contra o egoísmo da propriedade intelectual que se desdobra nas individualidades que tentam se sobrepor às outras e contra a luta concorrencial dentro do campo científico, e também no campo burocrático, especialmente no acesso aos recursos.

Quais os caminhos da diferença em busca do conhecimento?

No processo, a necessidade de sobrevivência foi o marco zero do caminho. As trilhas que foram sendo abertas, se entrelaçando em alguns momentos, se distanciando em outros, para se refundir logo após, se traçaram pela contaminação das idéias e dos conhecimentos em produção. Os nichos construídos através do processo de investigação não desenraizaram culturalmente, pois que cada Universidade mantém seus vínculos, suas diferenças, enfim, sua identidade. O que surgiu foram novas fronteiras , pois não houve a invasão da esfera do outro. As novas fronteiras, às vezes, são atravessadas em conjunto e, ás vezes, no nível individual; das subjetividades. Para este processo de alongamento das fronteiras contribuiu a linguagem, que é a linguagem com que são feitas as perguntas, que incita a construção de conteúdos para as diferenças que evoluem em conteúdos para a transformação.

Quais desafios e incertezas se encontram nesse caminho?

Este é um caminho avesso aos caminhos já traçados e pavimentados. Pois que, ao método único propõe pluralidade metodológica, qualifica a intencionalidade com a complexidade das necessidades sociais e qualifica a vontade de conhecer na relação com esta intencionalidade. Entende que a partilha é mais rica do que a caminhada solitária, favorecendo a auto-descoberta de talentos e disposição para colocá-los no trabalho coletivo. Exige o protagonismo, como a possibilidade de que os sujeitos digam a sua palavra.

Assim, nos orientamos pela única certeza que temos, o caminho se faz ao caminhar, ou como diria um companheiro desta viagem (Santos, 1995)"nós devemos reinventar o futuro pela abertura de um novo horizonte de possibilidades mapeadas por novas alternativas radicais. Criticar meramente o paradigma dominante, apesar de crucial, não é suficiente. Nós devemos ainda definir o paradigma emergente, sendo esta tarefa realmente importante e difícil".

Com as incertezas que escolhemos ter, nosso caminho tem sido de questionar e praticar a crítica, na prática. Se vamos entender a inovação, criar outras possibilidades de conhecimento, não sabemos ... o que sabemos é que a retórica dialógica constrói caminhos teóricos e práticos como esta investigação vem mostrando.

Contrariando o paradigma orientador do conceito de inovação apontado na introdução deste trabalho, trazemos a possibilidade teórico metodológica de uma outra maneira de produzir conhecimento. A pesquisa em parceria não se resume a um mesmo tempo, espaço e território. Ela se dá em diferentes espaços interinstitucionais com pesquisadores de distintas qualificações. Ao mesmo tempo que seguem um cotidiano próprio, os grupos rompem com ele para se conflitar e para se complementar com outros cotidianos com os quais interagem. É um movimento local-global, que se faz pelos relatos de cada grupo, de suas práticas de pesquisa, pela crítica solidária entre os grupos, pela busca vigilante do que há de comum.

No nosso caso, o contexto interinstitucional se qualifica como fronteira, tanto material e física, representada pelo espaço de cada nação, território, universitário ou de país, ou ainda, no plano simbólico, como fronteira entre diferentes. A criação dessas fronteiras, longe de restringir o trabalho interinstitucional, cria a parceria que é uma inovação porque significa "a invenção de novas formas de sociabilidade. Para viver na fronteira é preciso inventar tudo, inclusive o ato de inventar-se" (Santos, 1995, p.153).

Conclusões

No ato de inventar e romper com o velho modelo de pesquisa tradicionalmente vivido no cotidiano, o medo e a ousadia se incorporam numa mesma dimensão de trabalho, ética e compromisso, fortalecendo a possibilidade de transformar e transformar-se nas construções de parceria no locus universitário, locus este, marcado por estruturas cristalizadas de racionalidade única, de verdades absolutas e de poderes centralizados. A ruptura deste velho modelo, implica na ruptura de um paradigma que se gesta na constatação da existência de questionamentos, cuja busca de respostas não mais se situa no limite de determinado campo teórico.

A visão mecanicista do mundo, resultado do paradigma cartesiano-newtoniano, está perdendo sua hegemonia como teoria única que sustenta e explica os questionamentos científicos. Assim como na primeira ruptura, a transição (Santos, 1994) que estamos vivendo, nos remete novamente à Física, como um grande vetor para discutir as questões de conhecimento, ciência e mundo.

É este vetor que nos permite tentar fazer uma intersecção dessas questões com o processo que estamos vivendo - que é o de construir espaços coletivos de produção sem perder as identidades situadas na dialeticidade entre o local e o global, aproximando-nos e distanciando-nos pela diferença numa dança como a dos corpos celestes que se atraem e se repelem , numa relação de equilíbrio dinâmico.

Não se trata, portanto, de negar a mecânica clássica, mas sim o reducionismo feito na direção de uma única racionalidade e de uma verdade a-temporal, porque a-histórica e linear nos seus processos, finalidades e instrumentos. Ao lançar, em 1900, os fundamentos da mecânica quântica, Max Plank revolucionou a sacramentada física newtoniana, quando argumentava que a emissão de energia de um corpo ocorre de forma descontínua, através de um quantum de energia. Quando Einstein, em 1905, formulou a teoria da relatividade, a partir da qual a massa de um corpo é também uma forma de energia, evidenciando a equivalência e a intermutabilidade de matéria e energia, abriu a compreensão de que tempo e espaço não são absolutos - dependem de quem os observa, dependem do observador. Estas construções teóricas, tal como ocorreu com Galileu (séculos XVI/XVII), mexem com o mundo social, demonstrando a historicidade do conhecimento, não apenas como processo histórico, mas como conhecimento social , que muda estruturas de relações sociais e de poder e, conseqüentemente, de visões de mundo. Desmistificam o caráter de neutralidade da ciência como espaço de poder sem dono e de verdades absolutas.

O princípio da incerteza de Werner Heisemberg diz que é impossível saber, ao mesmo tempo e com absoluta precisão, a posição e a velocidade de uma partícula. Como afirma em Schenberg (1985), o determinismo da mecânica newtoniana deixa de existir, existem probabilidades, não há leis que possam descrever, com segurança o comportamento das partículas sub-atômicas - se define o indeterminismo.

Isto não significa destruir a teoria newtoniana, mas situá-la como verdade provisória, cujos erros foram fundamentais para que aflorassem novas dúvidas e outros caminhos. A relatividade não é o relativismo, como afirmava Heisemberg. Niels Bors, na busca de compreender o paradoxo onda-partícula, lançou o conceito de complementaridade, segundo o qual noções de partícula e onda são referências à mesma realidade. Cada uma dessas é parcialmente correta e tem limitado potencial de aplicação, de acordo com o princípio de incerteza.

Todas estas questões que afloram na transição em que estamos vivendo, nos remetem para uma radicalidade do holos, numa outra compreensão de conhecimento, ciência e mundo, que está sendo gestada em espaços que estamos construíndo e tentando compreender.

Neste sentido é que estamos metaforicamente fazendo intersecções, com a consciência do mutável e com a busca de um conhecimento decente para uma vida prudente (Santos, 1994) que exige compromissos coletivos, que ora se manifestam por ondas, ora por partículas, mas que são complementares à mesma realidade social na qual estamos vivendo e ousando sonhar utopias.

Na tentativa da complementaridade das metáforas, procuramos explicitar as idéias que temos encontrado e construído na trajetória da pesquisa em parceria.

 

Bibliografia

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