OS PROJETOS DE PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ESTUDANTES DA FFCH-USP: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
SETTON, Maria da Graça Jacintho
Faculdade de Educação - USP
I - Introdução
Este artigo tem o objetivo de trazer à público alguns dados a respeito das atuais características acadêmicas dos alunos da FFLCH-USP. Uma reflexão mais detida sobre o sexo, experiência acadêmica anterior, expectativas quanto ao aprendizado e aspirações profissionais da clientela dos cursos oferecidos pela FFLCH-USP despertou algumas questões sobre possíveis mudanças no perfil dos estudantes.
Entre os vários elementos que caracterizam os alunos da FFLCH-USP, aquele que mais despertou interesse foi sua experiência acadêmica. Embora a FFLCH não tenha o mesmo caráter profissionalizante se comparada às outras unidades da Universidade de São Paulo, como por exemplo a Faculdade de Medicina, ou, que seja relativamente de fácil acesso, já que oferece um dos menores número candidato/vaga, de todos os cursos oferecidos pela USP, as informações que obtive a respeito da anterior experiência acadêmica dos alunos desta Faculdade despertaram algumas indagações.
Ou seja, apesar de quase a metade dos alunos ter nos cursos da FFLCH-USP sua primeira experiência universitária, observei que uma parcela considerável de estudantes veteranos já possui um diploma de curso superior e uma outra parcela significativa de estudantes calouros faz dois cursos de nível universitário simultaneamente.
A pergunta que se faz de imediato é: quais os motivos que levam estudantes a acumular dois diplomas universitários? Quais os indicadores sociais que podem nos auxiliar na interpretação deste comportamento?
II - Um pouco de história
Desde sua fundação a FFLCH destacou-se das demais unidades da Universidade de São Paulo pelo seu caráter pouco profissionalizante. Ou seja, seus calouros não tinham mesmo perfil dos ingressantes dos cursos da Escola Politécnica ou da Faculdade de Medicina. Estes, em sua grande parte, vinham de escolas secundárias particulares, eram jovens, sem experiência acadêmica e/ou experiência profissional anterior.
A história das primeiras turmas da FFLCH revela uma clientela atípica se comparada ao padrão do estudante universitário. Grosso modo, as vagas destes cursos foram preenchidas na base da indução. Ou seja, a fim de preencher as vagas oferecidas seus organizadores facilitaram o ingresso de novos alunos. Os poucos calouros que se interessaram pelas primeiras turmas da FFLCH eram mais velhos e já possuidores de diploma e experiência acadêmica. Limongi (1989) apresenta-nos uma tabela mostrando que a maioria dos ingressantes era de alunos dispensados do vestibular porque já possuíam um diploma de curso superior ou estavam matriculados em outro curso de nível universitário. Uma parcela considerável também era de alunos comissionados, isto é, normalistas ou professores de primeiro e segundo graus, com chances de aprimorar seus estudos e ainda acumular a remuneração de professores.
Tabela 1: Número de calouros por modalidade de ingresso da FFLCH-USP
Modalidade |
dispensados |
vestibular |
comissionados |
bolsistas |
turma |
||||
10 turma |
166 |
16 |
- |
- |
20 turma |
99 |
34 |
85 |
- |
30 turma |
30 |
35 |
12 |
07 |
40 turma |
69 |
40 |
15 |
09 |
Total |
364 59,0% |
125 20,2% |
112 18,1% |
16 2,6% |
Fonte: Anuários FFCL in Limongi, 1989.
Por outro lado, os cursos oferecidos pela FFLCH-USP sempre foram conhecidos por sua clientela feminina. Considerados pejorativamente como cursos "espera marido", desde sua formação a FFLCH-USP atraiu mais estudantes do sexo feminino talvez, como foi acima comentado, pelo caráter pouco profissionalizante dos cursos de Ciências Sociais e Filosofia ou pela tendência em formar quadros para o magistério de primeiro e segundo graus dos cursos de Geografia, História e Letras, atividade exercida preferencialmente pelas mulheres.
De 1934, data da fundação da FFLCH, até hoje, muitas turmas ingressaram nesta Faculdade. Gostaria de considerar que embora tenham se passado 64 anos muitas das características da fundação permanecem, contudo, outras, nem tanto. Meu objetivo é marcar algumas diferenças que considero importantes para uma correta avaliação dos cursos oferecidos pela FFLCH. Ressalto, no entanto, que embora os dados referentes ao ano de 1996 sejam de natureza diferente aos coletados a respeito dos estudantes da década de 30, as comparações que ora em diante farei, servem apenas como um argumento para a essa discussão.
III - Comparando as expectativas de ontem e hoje
A vocação em formar cientistas ou professores para todos os níveis de ensino, do primeiro ao terceiro grau foi objetivo explícito da FFLCH, pelo menos entre seus responsáveis, desde a sua fundação. Porém, se na ocasião de sua criação, como foi dito, era mais fácil o ingresso nos cursos da FFLCH se comparados aos outros cursos, hoje essa tendência permanece mas com outras características. Entre as várias unidades da Universidade a FFLCH apresenta ter um dos menores índices candidatos/vaga. Além disso, a facilidade de acesso para os novos ingressantes, confirma-se com o número expressivo daqueles que não fizeram cursinho para vestibular e vieram de escolas públicas, ou seja, quase a metade.
Outras características marcantes como idade, experiência acadêmica e aspirações profissionais das primeiras turmas comparadas com a turma de 1996 também apresentam algumas semelhanças.
Tabela 2: Faixa etária dos estudantes da FFLCH-USP - 1996
Faixa Etária |
17 a 20 anos |
21 a 24 anos |
25 a 30 anos |
mais de 30 anos |
nr |
Total |
28,8% |
27,4% |
24,6% |
17,9% |
1,3% |
100,0% |
Os dados demonstram que mais de 40,0% dos alunos pesquisados têm acima de 25 anos, faixa etária relativamente alta para quem ingressa pela primeira vez em um curso universitário tal como seus colegas na ocasião da fundação da Faculdade. No que se refere à experiência acadêmica os atuais alunos da FFLCH revelaram-se igualmente tão experientes como seus colegas da década de 30. Embora atualmente 47,2% tenham nestes cursos a primeira opção universitária observei que mais da metade deles, 51,8%, já passou pelo ensino superior obtendo um diploma universitário (25,0%), abandonando (20,5%) ou conciliando dois cursos simultaneamente (6,3%). Estes dados reforçam o argumento de que a clientela dos cursos da FFLCH sempre se constituiu de alunos mais maduros com experiência de vida mais diversificada se comparados aos alunos de outras unidades da Universidade de São Paulo.
Tabela 3: Experiência acadêmica dos estudantes da FFLCH-USP - 1996
Experiência acadêmica |
% |
é o primeiro curso |
47,2% |
já possui outro diploma |
25,0% |
freqüentou e desistiu |
20,5% |
freqüenta |
6,3% |
nr |
1,0% |
Total |
100,0% |
As informações sobre as aspirações profissionais dos atuais estudantes da FFLCH parecem se adequar ao projeto acadêmico na ocasião da formação dos cursos. Ou seja, mais de ¼ dos alunos querem seguir carreira docente e/ou pesquisador, sobretudo os alunos do curso de História. No entanto, é importante ressaltar que a desistência da carreira no magistério de primeiro e segundo grau é visível em todos os cursos e o aumento significativo de alunos com a perspectiva de usar os conhecimentos obtidos com o curso apenas um auxílio profissional revela uma mudança gradual na valorização e procura dos cursos da FFLCH.
Tabela 4: Distribuição dos estudantes da FFLCH-USP segundo aspiração profissional, curso e situação de ingresso
Curso |
Ciências Sociais |
Filosofia |
Geografia |
História |
Letras |
aspiração profissional |
|||||
docente/pesquisa (magistério 30 grau) |
33,2% |
25,6% |
28,2% |
42,4% |
25,6% |
magistério (10 e 20 graus) |
7,0% |
13,6% |
16,4% |
16,9% |
13,6% |
órgão público |
14,2% |
6,0% |
19,6% |
6,6% |
6,0% |
iniciativa privada |
10,2% |
15,5% |
12,1% |
4,6% |
15,5% |
auxílio profissional |
19,8% |
25,9% |
8,9% |
15,9% |
25,9% |
não pretende usar profissionalmente |
2,6% |
4,8% |
1,5% |
3,2% |
4,8% |
não fez planos |
13,0% |
8,6% |
13,3% |
10,4% |
8,6% |
Total |
100,0% |
100,0% |
100,0% |
100,0% |
100,0% |
Não obstante a importância dos dados até aqui revelados, gostaria de salientar uma mudança significativa na clientela dos cursos da FFLCH- USP. Trata-se de uma mudança expressiva pois pode revelar transformações não só do estudante desta Faculdade mas transformações na esfera do mercado de trabalho destes estudantes. Ou seja, se existe (ou existia) um consenso de que a clientela da FFLCH é (era) reconhecidamente feminina a pesquisa de 1996 detectou uma tendência contrária. Observei que, aos poucos, os cursos oferecidos pela FFLCH vêm atraindo mais alunos de sexo masculino, com exceção do curso de Letras. Pude verificar a mudança de sexo da maioria da clientela dos cursos da FFLCH comparando as informações sobre sexo dos alunos calouros e veteranos.
Tabela 5: Distribuição dos estudantes da FFLCH-USP segundo sexo e situação de ingresso
Situação ingresso |
calouros |
calouros |
veteranos |
veteranos |
sexo |
Masculino |
Feminino |
Masculino |
Feminino |
curso |
||||
Ciências Sociais |
54,7 |
44,2 |
49,3 |
48,3 |
Filosofia |
65,8 |
32,5 |
68,8 |
30,3 |
Geografia |
67,5 |
31,3 |
58,8 |
38,6 |
História |
49,8 |
48,4 |
51,4 |
47,3 |
Letras |
35,3 |
63,2 |
35,5 |
64,0 |
Com exceção do curso de Letras e em menor proporção o curso de História, observamos que os novos ingressantes na FFLCH são preponderantemente do sexo masculino. Esta tendência é mais significativa entre os estudantes do curso de Geografia, Ciências Sociais e Filosofia. Este último tem sido sobretudo procurado por homens.
O que quero salientar é que se nas décadas anteriores os cursos da FFLCH eram procurados sobretudo por mulheres com a intenção de formarem-se professoras ou para um aprimoramento cultural com relativa perspectiva profissional, hoje, o que se verifica é uma outra tendência. Observa-se que atualmente os cursos da FFLCH têm atendido uma parcela expressiva de homens.
Relacionando este fato com as aspirações profissionais dos estudantes em geral pude verificar que embora não haja grandes diferenças de expectativas profissionais e acadêmicas entre os alunos de 1996, sejam homens ou mulheres, pode-se inferir que sobretudo os homens não partilham os mesmos planos de suas colegas das décadas passadas. Ou seja, não estão à procura de um aprimoramento cultural diletante ou à carreira do magistério de primeiro e segundo graus, dado que sobre os homens repousa uma cobrança de desempenho profissional mais cerrada do que sobre as mulheres. Os dados a respeito das expectativas de aprendizado e aspirações profissionais dos alunos do sexo masculino confirmam essa hipótese. Observamos que 40,5% dos homens e 31,7% das mulheres buscam apenas conhecimentos gerais. Sendo assim, pode-se deduzir que esses esperam obter com o curso um plus de conhecimento que certamente renderão dividendos na esfera profissional?
Tabela 6: Distribuição dos alunos da FFLCH segundo sexo e expectativa de aprendizado
Sexo |
masculino |
feminino |
expectativa aprendizado |
||
conhecimentos gerais |
40,5% |
31,7% |
boa base profissional |
7,8% |
9,4% |
ambos |
43,7% |
52,4% |
não pensou |
5,4% |
4,8% |
nr |
2,6% |
1,7% |
Total |
100,0% |
100,0% |
Tudo leva à crer que sim. Verifiquei que se grande parte deles demonstra o desejo de seguir carreira docente universitário e/ou pesquisador (44,3% dos homens e 40,3% das mulheres), muitos pretendem usar o diploma da FFLCH em suas profissões mas de forma indireta. Ou seja, independente do sexo os alunos manifestaram o desejo de se aprimorar culturalmente mais do que se dedicar à carreira que os cursos oferecem. O impulso para a carreira do magistério é bastante limitado em ambos os sexos, (16,6% dos homens e 19,5% das mulheres) contrariando aparentemente um dos objetivos iniciais dos cursos desta Faculdade. Hoje, mais do que nas década passadas, a FFLCH parece atender a uma camada que se destina à carreira acadêmica ou aos que procuram distinguir-se no mercado de trabalho aprofundando ou acumulando conhecimentos.
Tabela 7: Distribuição dos estudantes da FFLCH segundo sexo e aspiração profissional
Sexo |
masculino |
feminino |
aspiração profissional |
||
docente/pesquisa |
44,3% |
40,3% |
magistério |
16,6% |
19,5% |
órgão público |
13,1% |
11,9% |
iniciativa privada |
12,4% |
18,5% |
auxílio profissional |
29,9% |
28,4% |
não pretende usar profissionalmente |
6,2% |
4,4% |
As considerações de Schwartzman sobre o caráter diferenciado da área das humanidades ajudam a compreender essa nova tendência manifesta pelos estudantes.
"as ciências humanas e sociais ocupam uma parte preponderante de todos os sistemas de ensino superior em qualquer parte do mundo, pela simples razão de que o número de atividades profissionais que requerem o uso adequado da língua e conhecimentos gerais sobre a sociedade e o mundo contemporâneo são muito maiores do que as que requerem conhecimentos especializados e técnicos" (Schwartzman,1990:11).
Ou ainda, como considera Souza Machado, a respeito das demandas que as transformações das novas tecnologias têm imposto para o profissional do futuro e que parece vir de encontro com as aspirações acadêmicas dos alunos.
"Verifica-se, com isso, a substituição da demanda de formação profissional direcionada para aprender o fazer por outra formação que permite o aprender a aprender. Trata-se de uma nova maneira de trabalhar a informação, de uma nova matriz a orientar os critérios de eficiência e competência, portanto, a própria política de qualificações. A politecnia pressupõe sólida formação básica que contribua para superar a dualidade tradicionalmente existente entre formação técnica e geral, na perspectiva de uma qualificação ampla, integrada, flexível e crítica" (Souza Machado,1996:184-186).
Seria interessante salientar outra informação importante que ajuda a pensar essa mudança de clientela. A análise dos dados sobre a origem social dos estudantes permitiu constatar uma certa diferenciação entre eles. Embora pertençam aos segmentos médios da sociedade verifiquei uma diferenciação no que se refere ao volume de "capital econômico" e "capital cultural" (Bourdieu, 1979a, 1979b, 1980, 1983) entre eles. Além disso, com o cruzamento de algumas variáveis pude observar que as expectativas profissionais dos alunos da FFLCH-USP podem estar diretamente relacionadas com sua origem social. Isto é, embora independente do capital cultural de seus pais a maior parte dos alunos pretenda seguir carreira de docente ou pesquisador observei que os alunos que provêm de lares com capital cultural distintivo (pais com nível de instrução superior e/ou pós-graduação) são os que parecem ter uma maior tendência a buscar nos cursos apenas um auxílio profissional indireto se comparado a seus companheiros de origem cultural mais simples. Vindo a confirmar esta hipótese observei que os que pretendem seguir carreira de menor prestígio social, como o magistério de primeiro e segundo graus e em órgãos públicos provêm de lares com capital cultural não distintivo (pais com nível de instrução rudimentar, primeiro e segundo graus).
Tabela 8: Distribuição dos estudantes da FFLCH segundo instrução paterna e aspiração profissional
Instrução paterna |
não distintiva N |
distintiva N Total |
aspiração |
|
|
docência / pesquisa |
62,8% 714 |
37,1% 422 1136 |
magistério |
70,6% 342 |
29,3% 142 484 |
órgão público |
69,5% 232 |
30,5% 102 334 |
iniciativa privada |
65,1% 278 |
34,7% 148 426 |
auxílio profissional |
60,2% 473 |
39,7% 312 785 |
não pretende usar na profissão |
57,0% 82 |
43,1% 62 144 |
Total |
64,1% 2121 |
35,9% 1188 3309 |
Neste sentido, poderia afirmar, a título de hipótese, que os cursos da FFLCH embora continuem conhecidos pelo seu caráter de provedor de conhecimentos gerais sólidos não atendem mais a um grupo de alunas diletas que investem no culto ao aprimoramento intelectual de cunho pessoal ou destinado ao magistério.
Hoje, os cursos parecem também responder a uma demanda do mercado de trabalho, demanda que requisita profissionais possuidores de uma ampla formação cultural além dos conhecimentos especializados de uma profissão qualquer. Os dados nos oferecem elementos para pensar que os alunos que detêm maior volume de capital cultural parecem estar mais atentos para as mudanças de estratégias de distinção no saturado mercado de trabalho. Cientes da competição e da banalização dos diplomas parcela dos estudantes investe na acumulação de capital cultural. As determinações de classe, ou melhor, a herança de um habitus cultural (Bourdieu, 1979a, 1979b, 1980, 1983) adquirido no ambiente familiar parece ser uma chave para a compreensão das mudanças de expectativas dos alunos da FFLCH-USP.
Ou ainda, indo um pouco mais além, a duplicação de diplomas não responderia apenas a uma demanda de profissionais com formação generalista mas sim também como uma tendência a uma demanda específica do estudantado que não encontrando ainda oferta de curso superior para a formação que procuram obter, fazem, então, dois cursos universitários.
Em outras palavras, a complementação profissional adquirida com a duplicação de diplomas estaria respondendo não só as exigências de um mercado aberto e globalizado, no qual pede-se do profissional uma ampla formação cultural e capacidade reflexiva, mas também à emergência de novas categorias profissionais na área da produção cultural e setores afins.
Seria o caso dos estudantes do curso de Geografia que procuram conciliar a formação em Direito para se especializarem em Direito Ambiental; ou os alunos da Ciências Sociais que já fizeram ou fazem o curso de Jornalismo para poderem atuar como analistas políticos na mídia escrita e televisiva; ou ainda os alunos de História que oriundos da área de Administração tem como aspiração desenvolver-se na área da gestão das instituições de caráter cultural.
IV - A sistematização das tendências
Para a consideração destas hipóteses investiguei mais detidamente o comportamento dos estudantes no que se refere especificamente a sua característica - experiência acadêmica. Assim, em um total de 116 alunos pesquisados em uma amostra, selecionei setenta e dois alunos (62,6%) que já tinham freqüentado os bancos universitários. Destes, a grande maioria, quarenta e seis, (39,7%) declarou possuir uma formação complementar na área de humanas, e uma parcela bastante menor, 12,1%, declarou possuir uma formação complementar na área das ciências exatas e biológicas (6,8% e 5,2% respectivamente).
No entanto, posso extrair destes dois tipos de experiência acadêmica três tendências de expectativas. Em primeiro lugar a que se refere aos alunos que não possuem nenhuma experiência universitária anterior e que declararam possuir pouco conhecimento da área de trabalho que ela oferece (discutirei estes aspectos em outro trabalho).
Em segundo lugar os alunos que já possuem experiência acadêmica anterior. Neste caso, observei que estes ainda podem ser divididos em dois grupos. Os que se diferenciam porque procuram uma complementação na formação adquirida ou em aquisição e, aqueles que, na procura de uma área de especialização ainda não fornecida pelas instituições acadêmicas, procuram formar, individualmente, um curriculum particular associando informações de áreas diversas. Entre os alunos com experiência escolar anterior pude observar que 17,2% estão formados há mais de cinco anos e 13,8% estão formados de um a cinco anos.
Uma outra tendência foi ainda observada. Trata-se dos alunos de formação na área de exatas e biológicas que procuram uma proximidade com a área de ciências humanas. Por puro prazer ou deleite pessoal ou ainda na busca de compreensão da realidade na qual vivem, estes alunos revelam, entre todos, a menor perspectiva de utilização profissional dos conhecimentos adquiridos. Poderia utilizar a idéia de reflexibilidade tão cara a Giddens (1994) e Melucci (1994) sobre a necessidade atual de alguns segmentos de pensar a própria existência a partir de paradigmas fornecidos pela ciência.
Vale ressaltar que a busca de maior ampliação dos horizontes culturais, de maior bagagem intelectual e de conhecimento humanístico é uma constante entre todos os alunos. No projeto inicial propus analisar mais detidamente o significado do acúmulo de conhecimento em um segmento que se caracteriza pelo privilégio e culto da acumulação de capital cultural. Por ora, o que se pode deduzir é que a busca e ampliação de cultura parece não ter um significado único entre eles, já que observei que o uso que os alunos têm feito do curso é bastante diferenciado. No entanto, investigar como cada um percebe a própria aquisição de conhecimento pode me auxiliar a pensar as diferentes estratégias de formação profissional.
Posso inferir, ainda que de maneira bastante cuidadosa, que os alunos que estão buscando uma formação complementar ou uma formação especial possuem uma visão mais prática do conhecimento humanístico e reflexivo que vêm adquirindo nos cursos da FFLCH pois fazem uma associação nítida entre o caráter utilitário e o conhecimento reflexivo que estão conquistando. Contraditoriamente, esta tendência parece ser mais nítida entre os estudantes do curso de Filosofia, História e Ciências Sociais, já que a carga de informações técnicas não é característica destes cursos. É o caso, por exemplo, do aluno formado em Jornalismo, que pretende obter com o curso de Ciências Sociais quadros de referência do pensamento, pretende adquirir e exercitar o raciocínio a fim de ter competência para trabalhar no campo da mídia, já que o curso de Jornalismo não lhe oferece tal aptidão.
Já tinha apontado também a falta de interesse dos alunos em se profissionalizarem para o magistério. Assim, poderia inferir que, embora uma parcela dos alunos efetivamente exerçam esta ocupação ou pretendam segui-la, os cursos estão deixando de ser procurados para tal finalidade. O que se observa é que os cursos estão ampliando o universo de interessados.
Mesmo nos cursos de Geografia e Letras, cursos que oferecem um conhecimento específico de atuação, pude observar o interesse profissional diversificado entre os alunos. A associação de motivos como a reflexão crítica, o conhecimento humanístico e a obtenção de técnicas que habilitem no exercício profissional é bastante acentuada.
V - Área de formação complementar
Vejamos detidamente quais as áreas de complementação e especialização profissional mais atraentes para os alunos da FFLCH. Na área das ciências humanas destacam-se sobretudo os cursos de Direito, Administração e Economia e Jornalismo. Não obstante, o leque de áreas de interesse é bastante extenso sugerindo uma diversidade grande de formação e ou complementação.
Curso complementar (ciências humanas) |
N |
Direito |
11 |
Administração e Economia |
6 |
Jornalismo |
6 |
História |
4 |
Publicidade/ propaganda |
3 |
Letras |
3 |
Artes Plásticas / Educação Artística |
3 |
Arquitetura |
2 |
Comunicação Social |
2 |
Pedagogia |
2 |
Ciências Sociais |
2 |
Geografia |
2 |
Estudos Sociais |
1 |
Filosofia |
1 |
É interessante notar que as áreas mais escolhidas podem inferir as duas expectativas diferentes de complementação acima comentadas. Podem, de um lado, como no caso dos formados ou estudantes de Direito e Ciências Sociais, servir como pura complementação, ou podem servir com a intenção de criação de uma nova especialização profissional, como atestam os depoimentos dos alunos de Administração e História, Geografia e Direito.
"Entrei nos dois cursos (Direito e Ciências Sociais) simultaneamente, pois não sabia ao certo o que queria. Logo no começo percebi o quanto os dois cursos se complementam; Direito como instrumento técnico e prático e Ciências Sociais como bagagem cultural e acadêmica que me orienta na parte prática, ou seja, uma análise teórica da realidade somada aos meios de atuar em Direito. Embora o cansaço seja grande não desisti de nenhum deles pois não consigo me adaptar a um só. Além disso sei que apresentar dois diplomas é um diferencial enorme em um curriculum"
"Pretendo conciliar interesses pessoais, adoro Geografia, e profissionais, pretendo trabalhar em Direito Ambiental, possivelmente como consultor de empresas."
"Gosto pessoal pela matéria e diferencial no mercado de trabalho. Pretendo gerenciar projetos de instalações industriais (planejamento sócio-econômico e investimentos/ incentivos)."(Administração e Geografia)
"Tenho interesse pela área de humanas, ter possibilidade de maior abertura intelectual e mudança de rumo na vida profissional. A possibilidade de ter adquirido uma formação cultural poderá assegurar uma escolha mais madura e certa no meu campo de atuação profissional, a administração de instituições culturais e do patrimônio histórico."(Administração e História)
É também relevante nestes depoimentos a preocupação em se diferenciar no mercado não só com a posse de dois títulos universitários mas também como portador de uma bagagem cultural diferenciada. Tais declarações confirmam a hipótese de que estão presente entre os estudantes universitários as estratégias de distinção, via acumulação de capital cultural. Grande parte dos alunos fazem uma associação bastante nítida da importância de uma bagagem cultural somada a uma especialização profissional.
"Adoro estudar e não quis interromper minha vida acadêmica, além da possibilidade de me especializar ainda mais e ampliar as possibilidades profissionais."(Letras e Publicidade)
"Meu plano é trabalhar na área de editoração e produção gráfica onde é sempre bom possuir uma formação cultural sólida e diversificada".(Ciências Sociais e Jornalismo)
"Jornalismo não é um curso que dá o embasamento teórico que eu procurava para me tornar um profissional competente, e isso, eu encontrei na Ciências Sociais".
Gostaria de considerar também alguns depoimentos que indicam uma certa insatisfação e insegurança com a formação adquirida anteriormente. Estes alunos, com a intenção de melhor se preparar para o exercício de uma profissão, dedicam mais tempo aos bancos universitários.
"Considerei que a graduação em Filosofia poderia complementar minha formação em Ciências Sociais. Ao acabar minha primeira graduação fiquei um pouco insegura. Embora tendo conhecimento das áreas em que poderia trabalhar, não me senti qualificada para tal. Então encontrei a solução de complementar minha formação fazendo outros cursos que mantém um diálogo com a Ciências Sociais."
"Meu interesse é profissional. É na área de educação, como professora, que pretendo atuar. Assim, considerei relevante ou melhor, fundamental, a minha formação universitária na área." (Direito e Letras)
Na área das ciências exatas destaca-se a Engenharia e nas ciências biológicas destaca-se a Medicina Veterinária. É interessante observar os depoimentos de alunos oriundos de áreas de formação distantes das ciências humanas pois eles reclamam um contato maior com as humanidades de uma maneira geral.
"Completar a formação universitária com o estudo do pensamento humano, esta parte é pouco vista em um curso médico e por satisfação pessoal no conhecimento dos autores filósofos e cultura geral."(Filosofia e Medicina)
"Não tenho nenhuma perspectiva profissional. Vou trabalhar como médico. No entanto, o conhecimento de Filosofia pode me ajudar no contato com os pacientes sendo isto de extrema valia para o médico."(Filosofia e Medicina).
Curso complementar (ciências biomédicas) |
N |
Veterinária |
3 |
Medicina |
2 |
Ciências Farmacêuticas |
1 |
Biomédicas |
1 |
Curso complementar (ciências exatas) |
N |
POLI |
1 |
Engenharia Elétrica |
1 |
Engenharia Agronômica |
1 |
Engenharia Química |
1 |
Matemática Aplicada à Informática |
1 |
Processamento de Dados |
1 |
É importante ressaltar que o anseio de maior abertura intelectual é unânime entre os alunos. Independente da formação de origem e perspectivas profissionais encontramos depoimentos que vão da maior simplicidade como "Estudo por simples prazer", como ainda os mais elaborados que estão à procura de um maior conhecimento de si e da realidade social.
"Necessidade de buscar elementos para pensar o mundo e entender o Brasil. Busca de um ambiente de debate de idéias. Necessidade de dominar determinada parte do acervo cultural da cultura ocidental para sentir-me capaz de pensar por conta própria." (aluno de Filosofia)
"Espero conseguir conhecimento que me dê possibilidade de um desenvolvimento independente e crítico."(aluno Ciências Sociais)
"Necessidade de interpretação do atual modelo mundial e do próprio ser humano"(aluno de Filosofia)
"Porque a Filosofia é uma área do conhecimento humano que vai fundo nos problemas a qual se aplica. Na verdade eu ia tentar História mas quando tomei ciência do rigor da Filosofia em apurar fatos, não tive dúvida, tanto que não me arrependo de ter optado por ela."
Pode-se observar também o número expressivo de alunos que optaram por freqüentar instituições de renome intelectual. Ou seja, 28,4% dos alunos declararam ter feito o curso complementar nas melhores universidades do país como a USP, UNICAMP e Unesp, entre as universidades públicas; entre as instituições privadas, principalmente as Fundações, destacam-se a PUC de São Paulo e a Fundação Getúlio Vargas. Vejamos:
Instituição Pública |
Instituição Privada * |
Fundações |
USP - 21 |
Fac. Casper Líbero - 4 |
PUC-SP - 9 |
Unicamp - 2 |
FMU - 2 |
FGV - 2 |
Unesp - 2 |
Mackenzie - 2 |
|
ESPM - 2 |
* Estamos citando apenas as que tiveram mais de uma indicação.
VI - A especialização por curso
Se analisarmos a formação complementar entre os alunos dos distintos cursos da FFLCH destacam-se algumas diferenças interessantes. Os alunos do curso de Ciências Sociais têm no Jornalismo, no Direito e na História as áreas de maior interesse. Encontramos apenas um aluno com formação no curso de Ciências Biomédicas. Dos nove alunos que declararam possuir dupla formação, sete freqüentaram instituições reconhecidas como centros de excelência acadêmica.
Ciências Sociais |
Curso complementar |
Instituição |
Jornalismo |
ECA - USP |
|
Fac. Biométicas |
USP |
|
História |
USP |
|
História |
PUC |
|
Direito |
PUC (2) |
|
Jornalismo |
PUC |
|
- |
Fac. São Marcos |
|
Direito |
- |
No que se refere aos alunos do curso de Filosofia, observa-se uma tendência semelhante. Embora a diversificação dos cursos seja maior, as áreas do Direito, da Administração de Empresas e da Veterinária destacam-se entre todas. Dos dezoito alunos que declararam possuir outra qualificações de nível superior, dez deles (55,5%) freqüentaram a USP; um aluno freqüentou a UNICAMP e um a FGV; ou seja, 66,6% deles optaram pelas faculdades de maior renome intelectual.
Filosofia |
Curso complementar |
Instituição |
Geografia |
USP |
|
Historia |
USP |
|
Direito |
USP |
|
Ciências Sociais |
USP (2) |
|
FEA |
USP |
|
Veterinária |
USP |
|
Artes Plásticas |
UNICAMP |
|
Direito |
Fac. de Direito de São Bernardo do Campo |
|
Pedagogia |
(part.) Botucatu |
|
Administração |
Fundação Getúlio Vargas |
|
Matemática Aplicada à Informática |
FASP |
|
Engenharia Elétrica |
Univ. São Judas Tadeu |
|
Direito |
UNIP - Objetivo |
|
Direito |
FMU |
|
Medicina |
- |
|
Veterinária (pós-graduação) |
USP |
|
ECA (pós-graduação) |
USP |
Os alunos do curso de História mostram um comportamento um pouco diferente. Ainda que a área do Jornalismo mostre ser bastante procurada, a diversificação dos cursos é bastante acentuada. Dos doze alunos que optaram por fazer um curso complementar, dois fizeram na USP, um na Unesp e dois na PUC-SP, ou seja, 41,7%. Sete deles, ou seja, 58,3%, fizeram faculdades particulares.
História |
Curso complementar |
Instituição |
Letras |
USP |
|
POLI |
USP |
|
Veterinária |
Unesp - Jaboticabal |
|
Geografia |
PUC |
|
Jornalismo |
PUC |
|
Economia |
Mackenzie |
|
Ed. Artística |
Fac. Integradas Tereza D’Avila |
|
Administração |
Fac. São Judas |
|
Comunicação Social |
Fac. Casper Líbero (2) |
|
Publicidade |
Anhembi-Morumbi |
|
Jornalismo |
Fac. Casper Líbero |
|
Direito |
FMU |
No que se refere aos alunos da Geografia a diversificação dos cursos complementares é significativa. Destacam-se os cursos na área das ciências humanas, ou seja, dos dez assinalados, apenas um pertence à ciências exatas e um pertence às ciências biológicas. Entre as instituições de formação parece haver um equilíbrio entre as públicas, privadas e as Fundações.
Geografia |
Curso Complementar |
Instituição |
Ciências Farmacêuticas |
USP |
|
Administração |
Fundação Getúlio Vargas |
|
Direito |
PUC |
|
Jornalismo |
Fac. Casper Líbero |
|
Estudos Sociais |
Fiel - Fund. Instituto de Ensino |
|
Engenharia Agronômica |
- |
|
Arquitetura |
- |
|
Administração |
Escola Superior de Propraganda e Marketing |
|
Ciência Ambiental (pós-graduação) |
USP |
|
Educação Ambiental (pós-graduação) |
USP |
No que se refere ao curso de Letras embora a diversificação seja grande observei algumas tendências. Em primeiro lugar, cursos oferecidos pela própria FFLCH (Letras, História e Filosofia); em segundo lugar cursos relacionados à produção artística como a Arquitetura e Música; em terceiro lugar, cursos que usam os recursos da imagem e do texto como expressão como os de Propaganda e Publicidade. Destaca-se também, o número de alunos que freqüentaram ou freqüentam as melhores universidades públicas (USP,UNICAMP, Unesp).
Letras |
Curso complementar |
Instituição |
Direito |
USP |
|
História |
USP |
|
Arquitetura |
USP |
|
Letras (português) |
USP |
|
Instituto de Artes (música/composição/regência |
UNICAMP |
|
Letras (port/francês) |
Unesp |
|
Direito |
PUC |
|
Filosofia |
PUC |
|
Medicina |
Fac. Ciências Médicas de Santos |
|
Propaganda e Marketing |
Escola Superior de Propaganda e Marketing |
|
Publicidade e Propaganda |
FAAP |
|
Processamento de Dados |
FATEC |
|
Engenharia Química |
FEI |
|
Pedagogia |
Mackenzie |
Tudo indica que a carreira a ser seguida entre os alunos que possuem experiência acadêmica anterior tem toda chance de ser aquela que oferece maior nível de colocação e remuneração. Portanto, não será aquela promovida pelos cursos da FFLCH. Desta forma, é como se estes alunos optassem por acumular dois diplomas acadêmicos a fim de aumentar seu diferencial em relação a seus colegas de carreira, já que a área de especialização anterior dos alunos apresenta alto índice de competitividade.
A tabela abaixo aponta que os cursos que contam com maior número candidato/vaga, na FUVEST, ou seja, Direito, Administração, Jornalismo e Publicidade são aqueles que mais atraem os estudantes da FFLCH. Pode-se inferir, pois, que frente aos desafios de um mercado que não consegue absorver a mão de obra que vem se formando todos os anos, é esperado que novas estratégias de conquista de espaço profissional seja adquirido via estratégia de acumulação de capital cultural. A relação dos cursos oferecidos pela FUVEST, com mais de 24 candidato/ vaga auxilia nesta apreciação.
Acima 24,0 candidato/vaga |
Cursos da FFLCH- menos de 7 candidato/vaga |
||
Publicidade e propaganda |
56,76 |
Filosofia |
3,49 |
Fisioterapia |
51,76 |
Geografia |
4,95 |
Turismo |
50,84 |
Letras |
5,29 |
Editoração |
38,73 |
História |
6,43 |
Jornalismo |
37,18 |
Ciências Sociais |
6,58 |
Fisioterapia (UFscar) |
36,78 |
||
Artes Cênicas |
30,33 |
||
Cinema e Video |
31,07 |
||
Artes Cênicas |
30,33 |
||
Nutrição |
30,45 |
||
Direito |
29,92 |
||
Medicina Veterinária |
29,19 |
||
Medicina e ciências médicas |
26,80 |
||
Psicologia |
26,66 |
||
Administração |
24,97 |
||
Ed. Física |
24,16 |
Fonte: Fuvest, 1997.
VII - Vida profissional
Entre os objetivos da pesquisa destacava-se a preocupação de qualificar o tipo de atividade que os estudantes desenvolviam. Foi solicitado, então, que os alunos falassem sobre sua ocupação atual. Do total da amostra 73,3% estão trabalhando. Destes, 37,1% estão inseridos no mercado de trabalho há mais de dois anos e 12,9% estão trabalhando há pelo menos um ano. A ocupação que desenvolvem demanda em torno de quatro a oito horas diárias. No entanto, enquanto 19,8% trabalham de quatro a seis horas, período que pode ser avaliado como meia jornada de trabalho, 37,9% dedicam-se integralmente ao trabalho, ocupando-se de seis a oito horas. Apenas 15,5% declararam trabalhar mais de oito horas.
Considerando que grande parte da amostra já possui alguma experiência universitária seria esperado que já estivessem empregados em ocupações relacionadas a área de especialização. De fato, esta é uma constatação. Entre os alunos que estão inseridos no mercado de trabalho, 25,9% estão engajados em funções que se relacionam com o curso que freqüentam na FFLCH. Grande parte deles são estagiários em pesquisa, professores, tradutores ou revisores de texto. Uma parcela de 13,8% executa funções parcialmente relacionadas com os cursos, como por exemplo, alunos de Direito em Ciências Sociais ou Direito e Geografia que são estagiários em escritórios de advocacia, ou alunos do curso de História que são redatores de revistas ou periódicos. Não obstante, uma parcela também bastante expressiva, 33,6%, não exerce ocupações relacionadas ao curso. Por exemplo, médicos, auxiliares de escritórios, secretárias ou artistas de teatro.
Uma das hipóteses da pesquisa considerava ainda que a maior parte dos alunos ingressava nos cursos da FFLCH-USP sem saber das exigências do curso e sem saber, ao certo, o tipo de profissional que iria se formar. Em ambos os casos a hipótese não se confirmou. 62,1% dos alunos declararam saber das exigências do curso; por outro lado, uma parcela também significativa, 33,6%, declarou conhecer apenas em parte as exigências. No que se refere ao tipo de profissional que estava em formação, observei apenas um certo nível de desconhecimento. 53,5 % dos alunos declararam que sabiam, em parte, o tipo de profissional que iria se formar e 38,8% dos estudantes declararam saber o perfil deste profissional. Considerando que grande parte dos alunos, embora trabalhem há mais de dois anos, ainda estão construindo e investindo em sua profissionalização, tal desconhecimento seria esperado. No entanto, é possível que entre os alunos mais indecisos quanto a sua profissionalização estejam os que, de fato, ingressaram sem saber o perfil do profissional que acabariam por se tornar.
Relacionado à imagem profissional, acima comentada, foi solicitado aos alunos que indicassem quais as áreas do mercado que poderiam trabalhar com a formação que estão adquirindo. Embora, grande parte dos alunos indicassem o magistério e a vida acadêmica, pude observar que o leque de oportunidades de inserção no mercado de trabalho dos cursos da FFLCH vem se ampliando. Nota-se uma especial tendência para o nicho das profissões relacionadas a indústria cultural. Entre elas destacam-se a área do telejornalismo e da imprensa escrita. O cinema, o teatro, a publicidade e até as artes plásticas também mostram-se bastante receptivos segundo a ótica dos alunos.
Conclusão
De posse destas informações, portanto, consegui detectar três tendências entre os alunos da FFLCH referentes à suas expectativas acadêmicas e profissionais. Em primeiro lugar a que se refere aos alunos que não possuem nenhuma experiência universitária anterior e que declararam possuir pouco conhecimento da área de trabalho que ela oferece.
Em segundo lugar os alunos que possuem experiência acadêmica anterior. Isto é, os que se diferenciam porque procuram uma complementação na formação adquirida ou em aquisição e, os que, na procura de uma área de especialização ainda não fornecida pelas instituições acadêmicas, procuram formar, individualmente, um curriculum particular associando informações de áreas diversas.
Em terceiro lugar, os alunos de formação na área de exatas e biológicas que procuram uma proximidade com a área de ciências humanas por gosto pessoal e ou diletantismo.
Ressalto, sobretudo, a prática da "boa vontade cultural" (Bourdieu, 1979, 1983) entre todos os alunos, característica comum dos segmentos médios da sociedade, principalmente entre os que circulam na esfera da produção e circulação de bens culturais como é o caso dos alunos da FFLCH.
A análise sobre a área de formação complementar do estudantado confirmou a hipótese inicial de que os alunos com experiência acadêmica anterior, ao investirem na acumulação de capital cultural, estão se servindo de uma estratégia de diferenciação no mercado de trabalho. Além disso, pude observar que parte destes alunos estão apontando tendências profissionais ao estarem, individualmente, compondo um curriculum com especializações ainda não estabelecidas no mercado.
Como um todo, a análise que fiz revela que a estratégia de distinção destes profissionais em formação caminha para um tipo específico de especialização. Ou seja, aponta para uma formação ampla, com forte conteúdo humanístico, em áreas do conhecimento ainda não totalmente desenvolvidas ou integradas no mercado de profissionais. Tanto os alunos que buscam uma complementação em sua formação anterior como os que compõem individualmente o curriculum, segundo seu potencial e apetite intelectual, parecem ocupar um papel de elite ou vanguarda no mercado de trabalho.
O fato de uma parcela, bastante expressiva (39,7%) estar trabalhando direta ou indiretamente em sua área de formação pode ser um certo indício de que, de fato, o esforço e dedicação no aprimoramento cultural estão dando retorno.
Assim sendo, seria interessante perguntar:
Quais os determinantes sociais que explicam esta identificação com as novas tendências do mercado? Este comportamento de vanguarda seria prerrogativa dos profissionais da área de humanas? Ou seria privilégio dos alunos pertencentes a famílias com alto capital cultural?
Qual a percepção que possuem sobre a trajetória que estão traçando individualmente? Encontrariam apoio e estímulos na família e no trabalho? Qual a percepção que possuem das dificuldades de inserção no mercado e das estratégias que estão fazendo uso? Estas percepções difeririam em relação ao sexo, idade e curso do estudante?
Estariam, de fato, seus esforços compensados em termos de facilidades de promoção ou conquista de colocações vantajosas, tanto no nível financeiro como no âmbito da satisfação pessoal?
Concluo este artigo considerando que são inúmeras as questões ainda a serem respondidas.
Não obstante, é preciso salientar que o material coletado até agora trouxe uma série de revelações importantes sobre parte de um segmento universitário e seu processo de engajamento no mercado de trabalho. O rico material ainda a ser explorado indica que o trabalho de observação sobre as novas tendências do ensino universitário podem ser bastante reveladoras sobre a realidade atual.
Bibliografia
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Perfil profissional muda com o avanço da tecnologia - in O Estado de São Paulo, Caderno de Empregos, novembro de 1997.
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