CURSOS SEQUENCIAIS:
O (MAL?) USO DE UMA INOVAÇÃO SALUTAR
Stella Cecilia Duarte Segenreich
Em análises recentes da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Educacional, um dos aspectos mais destacados, como característica básica desta lei, tem sido a flexibilidade que, segundo Cury, " abre um campo extremamente grande para iniciativas mais autônomas por parte dos sujeitos interessados" ( Cury, 1998, p.75). Por outro lado, chama este autor atenção para o fato de que "a LDB se polariza entre a flexibilidade inicial do rendimento e o controle teleológico do produto através da avaliação" (p.77). Concordo com o autor no que se refere a alguns aspectos definidos no texto da LDB 1996 mas, concordo também com Fávero ao concluir, em sua análise da dimensão histórico-política desta lei, que "estamos diante de uma reforma para a educação superior, que está sendo normatizada de forma fragmentada" ( 1998, p. 64/65).
Sob a égide destas diferentes visões da nova legislação, vários aspectos da nova Lei têm chamado atenção dos educadores preocupados com os caminhos que vem sendo tomados pela educação superior na trajetória de implantação da nova LDB, como, por exemplo: a diversificação de estruturas organizacionais e funções; a criação dos Institutos Superiores de Educação; as novas formas de acesso; e, a introdução dos cursos sequencias e do ensino à distância. Em reunião com pesquisadores do GT de Políticas de Educação Superior da ANPEd foi levantada a necessidade de serem discutidos os diferentes aspectos acima levantados, em especial, os rumos que vêm tomando os cursos sequenciais. Tendo em vista o fato de estar trabalhando com as possibilidades de implantação de cursos sequenciais, procurei sistematizar o material disponível sobre o assunto e, principalmente, detectar as questões que vêm sendo levantadas sobre esta modalidade de curso e os relacionamentos e impactos que vem sendo sentidos em relação a dois aspectos acima relacionados: a diversificação de estruturas organizacionais e funções e as novas formas de acesso.
Em um primeiro momento, estes três aspectos são analisados no que se refere à idéias de flexibilidade e fragmentação, apontadas por Cury e Fávero, respectivamente. Em seguida, o documento centra seu foco na análise da proposta dos cursos sequencias, desde sua origem até as novas concepções que lhe vêm sendo atribuídas. Finalmente, são levantadas questões sobre o projeto específico dos cursos sequenciais, a relação com os demais cursos no que diz respeito às vias de acesso e o impacto que vem sendo sentido na dinâmica de funcionamento das instituições de educação superior, voltando, quando possível, a mostrar o relacionamento entre os diferentes aspectos abordados.
Trata-se de um documento que não pretende, em nenhum momento, esgotar o assunto, mas, caminhar todo o tempo nas areias movediças de uma questão que vem passando por um processo recente de definição legal e cujas realizações estão ainda, em muitos casos, em processo de " elaboração" no interior das instituições de ensino superior.
Diversificação das estrutura organizacionais e funções
Em documento apresentado em 1997, na Reunião Anual da Anped, tive oportunidade de discutir perspectivas da questão da institucionalização da pesquisa nas universidades emergentes, a partir dos novos arranjos estruturais propostos, não pela LDB, mas pelos decretos No 2.207/ 97 e 2.306/97 que explicitaram, finalmente, o artigo altamente "flexível" não só da redação final da Lei 9.394/96 quanto de um de seus projetos (Projeto de Lei 1.258C de 1988) segundo os quais a educação (ensino no projeto) superior seria ministrada em instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização (art. 45 e 61, respectivamente). Cabe assinalar, entretanto, que a definição de algumas das formas de organização prescritas no Decreto 2.207/97 já faziam parte de versões anteriores de projetos da LDB.
Como pode ser verificado no Quadro 1, o primeiro esboço de projeto (P1) mantem as formas tradicionais de estrutura existentes. No substitutivo de Cid Saboia de Carvalho (P2) já aparece a figura do Centro de Ensino Superior, que será consolidado com a denominação de Centro Universitário; neste caso, o adjetivo "universitário" eleva mais o status deste tipo de estrutura do que a simples denominação de Centro de Ensino. As faculdades integradas são mantidas mas desaparecem as federações de escolas. Quanto às tradicionais alternativas de instituições isoladas, apontadas pelo primeiro esboço de projeto (P1), o substitutivo (P2) nada define optando pela expressão "outras formas de organização"; o terceiro projeto é idêntico ao segundo acrescentando somente a figura do Instituto, sem nenhuma explicação que se permita levantar a hipótese de que se refere aos institutos superiores de Educação.
Quadro 1
Formas de organização da educação superior presentes
nos diferentes projetos e no Decreto 2.207 /97
Tipo de estrutura |
P1 |
P2 |
P3 |
DEC |
Universidades |
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Centros Universitários |
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Centro de Ensino Superior |
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Faculdades integradas |
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Faculdades ou escolas integradas |
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Federações de faculdades, escolas ou institutos |
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Faculdades |
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Institutos |
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Institutos superiores ou escolas superiores |
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Faculdades, escolas ou institutos isolados |
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Outras formas de organização |
Fontes:
P1 1o Esboço de um Anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
P2 Substitutivo da Comissão de Educação, de autoria de Cid Saboia de Carvalho ( 1995)
P3 - Substitutivo anexo ao Parecer 691/95 da Comissão Diretora do Senado
DEC Decreto 2.207/97 que regulamenta para o Sistema Federal de Ensino as disposições
contidas na Lei 9394/96
Na coluna DEC, que se refere à regulamentação após a LDB, aparecem duas formas de instituição isolada: as faculdades e os institutos superiores ou escolas superiores. A presença dos institutos superiores parece estar mais claramente ligada aos institutos superiores de Educação, previstos no artigo 62 da LDB.
No primeiro ano de vigência do decreto, poucas instituições se habilitaram como centros universitários, como foi assinalado no documento que analisou este assunto (Segenreich, 1997). Entretanto, notícia publicada pelo Instituto de Pesquisas em Educação no Brasília Urgente (1999) , dá conta do credenciamento, somente em fevereiro de 1999, de três centros universitários: Centro Universitário Campos de Andrade, Curitiba (PR); Centro Universitário de Belo Horizonte (MG); Centro Universitário de Brasília. Este conjunto de centros universitários e os institutos superiores de Educação que também estão sendo criados, dentro e fora das instituições universitárias, estão a merecer atenção de todos os que estão atentos aos novos modelos de organização que estão surgindo em decorrência da não definição de um modelo padrão por parte da legislação atual.
As novas formas de acesso
Ao indicar a forma de acesso aos cursos de graduação, no inciso II do artigo 44, a nova LDB substitui a expressão concurso vestibular por processo seletivo e, no artigo 51, determina que as universidades, ao deliberar sobre critérios e normas de seleção e admissão de estudantes, levarão em conta os efeitos desses critérios sobre a orientação do ensino médio, articulando-se com os órgãos normativos dos sistemas de ensino.
Esta flexibilidade e autonomia concedida pela LDB levou ao aparecimento de uma variedade enorme de propostas de acesso através de convênios com escolas de 1o e 2o graus que feriam, em alguns casos, o princípio constitucional de igualdade de oportunidades de acesso dos estudantes à educação superior (pelo menos no que diz respeito ao acesso imediato), na medida em que garantiam admissão automática aos alunos que se formassem nessas escolas.
A UnB, por outro lado, vem aplicando o Programa de Avaliação Seriada (PAS), abrindo inscrição para os alunos das escolas públicas e particulares no Distrito Federal; nesta experiência o pedido de inscrição parte do aluno que leva a escola a fazer parte do PAS. É estabelecida, pela Universidade, uma quota para alunos provenientes do PAS e uma quota para o vestibular tradicional. Mais uma vez foram abertas possibilidades que, ao serem testadas institucionalmente (mas não avaliadas pelo sistema) , suscitaram novas regulamentações.
No momento, o MEC tenta introduzir o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como um dos ( ou o) elementos do processo seletivo tendo encontrado resistência por parte das universidades, no que se refere ao vestibular 1999. Algumas instituições, como a PUC - Rio, estabeleceram uma quota de vagas para estudantes que desejassem utilizar os resultados do exame como um dos critérios de seleção, desde que atingissem grau mínimo de sete na prova do ENEM, como forma de testar o sistema. Neste caso, quem está procurando avaliar este processo não é o MEC mas sim as próprias universidades.
Os cursos sequenciais
Esta modalidade de curso somente aparece, explicitamente, na trajetória da discussão da Lei de Diretrizes e Bases a partir do substitutivo do Senador Saboia, quando, no artigo 39, afirma que o ensino superior abrangerá, além dos cursos de graduação, pós-graduação e extensão, cursos e programas pós-médios, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino. No artigo 45, o substitutivo determina que as instituições de ensino superior poderão conceder certificados de estudos superiores parciais, de diferentes níveis de abrangência, àqueles alunos que acumulem créditos em pelo menos cinco disciplinas relacionadas. Nos três parágrafos que integram este artigo é retomado: o número mínimo de disciplinas (5); o direito ao certificado; a autonomia da universidade definir condições e requisitos de obtenção deste certificado; e, a possibilidade da instituição abrir as vagas ociosas de suas disciplinas à comunidade.
No documento que registra a discussão do substitutivo no Senado ( Brasil/ Senado Federal, 1996), algumas emendas propostas retratam a repercussão desta "inovação" nos senadores ou grupos por eles representados.
No Quadro 2, que se segue, pode-se perceber com clareza:
O fato do artigo 45 do substitutivo dar autonomia às instituições, em geral, para estabelecer os critérios de organização destes novos cursos, sem nenhuma definição mais consistente, pode explicar, em parte, estas reações.
Entre a publicação no Diário Oficial destas emendas e a promulgação da LDB decorreu quase um ano e ao texto final da LDB nada foi acrescentado em termos de uma melhor definição deste tipo de curso.
Quadro 2
Emendas apresentadas os cursos sequenciais no Senado Federal 1996
EMENDA |
PROPOSTA |
RESPOSTA |
VOTO |
SUBSTITUTIVO |
185 |
Renomear o curso pós-médio para sequencial por campo de saber |
A sugestão aperfeiçoa o substitutivo |
Pela aprovação |
I - cursos sequenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabe-lecidos pelas instituições de ensino |
186 |
Renomear o curso pós-médio para curta duração |
Prefere-se a redação da emenda 185 porque o termo curta duração é cercado por desconfiança |
Pela aprovação parcial na forma da emenda 185 |
|
209
210/212 |
A Proposta procura suprimir uma das inovações do Substitutivo no ensino superior: os cursos sequenciais por campo de saber. ------------ Sugerem a supressão do artigo 45 do substitutivo que versa sobre a concessão de certificado de estudos superiores especiais. |
É importante ressaltar que a finalidade da iniciativa é de melhor aproveitar os recursos das instituições de ensino superior, democratizando o acesso à educação. Os sistemas de ensino e as IES regulamentarão a matéria, a fim de evitar o mal uso de uma inovação salutar. |
Pela rejeição.
Pela rejeição por idêntica resposta à emenda 209 |
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211 |
Versa sobre a concessão de certificados de estudos superiores parciais sugerindo nova redação (aumento do número mínimo de disciplinas de 5 para 6). |
Pela aprovação |
As instituições referidas no caput concederão certificados de conclusão de cursos sequenciais aos alunos que acumulem créditos em pelo menos seis disciplinas correlacionadas |
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214
|
Versa sobre a concessão de certificados de estudos superiores parciais ( art. 45). |
A concessão de certificados de con-clusão para os cursos sequenciais é mais significativa do que a obtenção de uma simples declaração |
Pela rejeição |
Fonte: Brasil/Senado Federal, Parecer n.8 de 1996
Os cursos sequenciais surgem na LDB com as mesmas características de flexibilidade apontadas por Cury ( 1998) mas, tendo em vista ser esta uma figura nova na legislação educacional brasileira, o próprio autor reconhece que, neste caso, demandaria um comentário. Estas definições começam a ser esboçadas através de sucessivos pareceres até que uma regulamentação mais operacional é baixada em janeiro de 1999, o que ratifica, mais uma vez, a trajetória de normatização fragmentada, apontada por Fávero (1998) . Uma análise mais aprofundada desta trajetória é desenvolvida nos dois próximos itens deste documento.
2. A trajetória inicial dos cursos sequenciais: definições e iniciativas institucionais
A idéia que gerou a inclusão deste tipo de curso na LDB de 1996 está expressa na própria justificativa de rejeição das emendas 209/210/212, apresentada no Quadro 2 : a finalidade da iniciativa é a de melhor aproveitar os recursos das instituições de ensino superior, democratizando o acesso à educação. Por outro lado, é possivel perceber a preocupação com a necessidade dos sistemas de ensino e as instituições de ensino superior regulamentarem a matéria, a fim de evitar o mal uso de uma inovação salutar.
Entretanto a discussão da terminologia a ser adotada curso pós-médio, curso sequencial, curso de curta duração não foi elucidada com suficiente clareza sua natureza, até no texto da LDB. Mais uma vez, deixou-se esta tarefa para regulamentação posterior que se manifestou, pela primeira vez, através do Parecer CES - 670/97 do Conselho Nacional de Educação, aprovado em novembro de 1997. Foi com base neste primeiro parecer que se procurou detectar os fundamentos da inovação proposta em termos de natureza do curso, conceito de campos de saber e tipos de curso, na medida em que foi este parecer que norteou as primeiras iniciativas institucionais de curso sequencial.
Natureza do curso sequencial em relação ao curso de graduação e de extensão
O relator do Parecer, Prof. Jacques Velloso, procura, inicialmente, distinguir este tipo de curso como uma modalidade a parte dos demais cursos de ensino superior.
Os cursos sequenciais não são de graduação, (...). Ambos, sequenciais e de graduação, são pós-médios e de nível superior no sentido em que o ingresso em qualquer um deles é aberto apenas aos que tenham concluído o ensino médio. Mas distinguem entre si na medida em que os de graduação requerem formação mais longa, acadêmica ou profissionalmente mais densa do que os sequenciais. Anteriores, simultâneos ou mesmo posteriores aos de graduação, os cursos sequenciais permitem mas não exigem que seus alunos sejam portadores de diplomas de nível superior. Não se confundem, portanto, com os cursos de pós-graduação, tratados no inciso do mesmo artigo. Tampouco devem ser assimilados aos cursos de extensão pois estes, por constituírem modalidade igualmente distinta, encontram-se nomeados no inciso IV do artigo 44. (Brasil, MEC/CNE, 1997, p. 415)
Na realidade, essa definição inicial do Parecer define mais o curso sequencial pelo que ele não é do que pelo que ele é.
No decorrer do Parecer, o relator faz uma alusão às idéias do Prof. (e Senador na época) Darcy Ribeiro, que foi o responsável pela introdução desta modalidade de curso no projeto da LDB. Sua idéia estava centrada, originalmente, na possibilidade do estudante procurar uma instituição de ensino superior e formular um programa de estudos segundo seus interesses. Dessa forma, sua opção representaria a liberdade de alguém escolher, não uma graduação, mas um subcampo multidisciplinar em que quisesse se aprofundar.
O relator do Parecer ainda comenta a fala do Senador na qual ele reconhece que a proposta dos cursos sequenciais poderia assemelhar-se a uma visão mais livre e moderna dos community colleges norte-americanos, profissionalizantes ou não, porém com forte tendência nacional.
O conceito de campos de saber
Continuando a analisar o Parecer 670/97, pode-se acompanhar o raciocínio do relator na sua exposição.
Já se viu que os campos de saber dos cursos sequenciais, conceito novo na legislação educacional brasileira, não se identificam com as tradicionais áreas de conhecimento, com suas aplicações ou com as áreas técnico-profissionais nas quais costumeiramente diplomam-se os estudantes.(...) Entende-se que a concepção e implementação de cursos sequenciais podem incluir elementos de mais de uma área de conhecimento assim como numa delas estar contidos, desde que consigam desenhar uma lógica interna. (Brasil, MEC/CNE, 1997, p. 420)
Tipos de curso sequencial
No texto do parecer já aparece uma " leve tendência nacional" em relação à proposta inicial: a concepção de que um curso sequencial pode ter não só uma destinação individual como, também, coletiva. Este segundo tipo de destinação permite a introdução de cursos oferecidos pelas instituições de educação superior como cursos novos, experimentais ou regulares. Para o relator, inclusive, estes cursos podem servir ao propósito de "enfrentar os desafios das novas demandas sociais por ensino superior, em caráter experimental". (Brasil, MEC/CNE, 1997, p. 422) Alguns podem se constituir, inclusive, no embrião de novos cursos de graduação. É importante destacar que, em ambos os casos, estes cursos mantem direito, somente, à concessão de certificado.
Outros pontos levantados no Parecer
Os aspectos aqui destacados são de vital importância para que se possa avaliar, posteriormente, as mudanças introduzidas no novo parecer, a repercussão do funcionamento destes cursos na organização interna das instituições de educação superior e as múltiplas relações que podem ser estabelecidas com os atuais cursos de graduação:
3. O atual nível de regulamentação e as repercussões institucionais
Foi com base nas normas estabelecidas pelo Parecer 670/97 que os primeiros cursos sequenciais foram montados mas as definições ainda eram bastante flexíveis dando margem a iniciativas institucionais que começaram a inquietar o Sistema. Em outubro de 1998, é aprovado o novo parecer e apresentado, em anexo, projeto de Resolução com o objetivo de estabelecer novos parâmetros para os cursos sequenciais.
Apesar do relator afirmar que o Parecer 672/98 está amplamente baseado no anterior, pode-se perceber diferenças na definição dos diferentes tipos de curso, caracterizando mais alguns passos na definição da "tendência nacional" que começa a se impor em relação ao projeto original:
Na período de elaboração e discussão do novo Parecer e do Projeto de Resolução que será decorrente, algumas notícias publicadas nos jornais merecem destaque pelo novo discurso que refletem, em relação aos cursos sequenciais.
No jornal O Globo de 23 de agosto de 1998 , por exemplo, é publicada a seguinte manchete: "MEC lança cursos superiores voltados para mercado de trabalho e de menor duração". A reportagem destaca que,
"a partir de 1999, os alunos poderão entrar na universidade sem prestar vestibular, para fazer cursos especiais de nível superior que terão duração de apenas de seis meses a um ano e meio, e que, se não darão a mesma formação acadêmica de um curso de graduação, poderão habilitar o estudante a uma inserção mais rápida no mercado de trabalho." (Orlete e Taves, 1998, p.11)
O próprio Ministro da Educação declara, nesta reportagem, ter solicitado ao Conselho Nacional uma regulamentação deste novo tipo de curso. O artigo destaca que duas universidades particulares já haviam se antecipado e já ministravam cursos de formação técnico-profissional. No Rio Grande do Sul, a Universidade de Caxias do Sul havia criado, em março, 49 cursos sequenciais com duração máxima de 18 meses e currículos de cinco a dez disciplinas, de diferentes cursos de graduação. No Rio, o Instituto Politécnico da Universidade Estácio de Sá não criou exatamente cursos sequenciais mas lançou 25 cursos superiores profissionalizantes de curta duração, com vestibular e direito à diploma (?).
Em reportagem do Jornal do Brasil, publicada em 8 de novembro de 1998, o Ministro da Educação se refere a este tipo de curso usando todas as nomenclaturas que foram objeto de discussão na trajetória de discussão da LDB / 96:
"a partir da aprovação dos novos parâmetros curriculares, o MEC está analisando cerca de 1200 propostas das universidades, que poderão oferecer cursos sequenciais, modulares, de pós-secundário e de curta duração" ( Jornal do Brasil, 1998, p.11).
No mesmo artigo, o Diretor de Políticas do Ensino Superior, Luiz Cury, declara que alunos de um mesmo curso poderão ter trajetórias diferentes durante a graduação. Segundo ele, "com o fim da exigência do currículo mínimo, o aluno poderá montar seu currículo ao longo do curso optando, ainda por matérias de outras áreas de seu interesse". (1998, p.11). Continua afirmando que a Universidade deve formar um aluno capaz de se integrar no mercado de trabalho. A Universidade deve se abrir para estudantes de nível médio que desejem se especializar em alguma área sem passar pela graduação. Dá, inclusive, exemplo de universidades que já estão adaptando seus currículos.
Pode-se perceber claramente a proposta de vincular fortemente estes cursos às necessidades mercado de trabalho, procura-se infundir a idéia de que o fato de concluir estes cursos garante mais facilmente o acesso a um emprego.
No início do ano seguinte, a regulamentação dos cursos sequenciais é consolidada através da Resolução no 1 de 27 de janeiro de 1999 onde se define o que se entende por campos de saber e são especificados os diferentes tipos de curso sequencial, com a ratificação da nova modalidade de curso de destinação coletiva - os cursos de formação específica, introduzida no Parecer 672/98.
As principais características deste tipo de curso sequencial podem ser assim resumidas:
No bojo deste processo de regulamentação dos cursos sequenciais, que ocupou os últimos dois anos, as iniciativas institucionais tem se concentrado em duas linhas de ação.
Um grupo de instituições tem apostado fortemente nos cursos de formação específica, criando, inclusive, novas estruturas organizacionais para desenvolvê-los. O Instituto Politécnico da Universidade Estácio de Sá e o Centro Superior de Educação e Aperfeiçoamento Profissional ( CEDAP) da Universidade Castelo Branco são exemplos ilustrativos desta tendência no Rio de Janeiro.
Outro grupo de instituições optou por oferecer disciplinas de seus cursos montando cursos sequenciais de destinação coletiva ou mesmo oferecendo aos candidatos a possibilidade de montar seu próprio curso.
Apesar das estratégias serem diversas, a propaganda para estes cursos se baseia fortemente no mercado de trabalho. Folheando os jornais, encontramos chamadas do tipo:
Esta tendência vem sendo observada também em países do mundo inteiro, como pode ser atestado na experiência dos países da América Latina descrita no livro "Universidade no Mercosul". Carlos Marquis ( 1994), por exemplo, ao analisar a situação universitária argentina destaca que
a partir de 1983, en la mayoria de las universidades se realizaron revisiones de planes y programas de estudio y se crearon nuevas carreras, algunas de ellas de corta duración y com títulos intermediarios. (...) Un importante esfuerzo de esta década es el que realizan las universidades nacionales por buscar una mejor forma de vinculación con los sectores produtivo y de servicios. (p.94)
Não foi possível, infelizmente, obter mais dados acerca dos cursos existentes no Brasil como um todo ou dos 1200 cursos que esperam aprovação junto ao Conselho Nacional de Educação, segundo declaração do ministro da Educação.
Entretanto, muitas questões e dúvidas tem surgido e precisam ser trabalhadas, como será visto a seguir.
Questões salutares para uma "proposta inovadora"
As primeiras questões devem ser endereçadas ao direcionamento e conteúdo dos cursos sequenciais que vem sendo oferecidos. A ênfase no direcionamento voltado quase que exclusivamente para o mercado de trabalho parece refletir uma demanda mundial. Como evitar o atrelamento indiscriminado ao mercado de trabalho sem cair na postura de "torre de marfim"? Este é um primeiro desafio.
Outra questão diz respeito ao próprio conteúdo destes cursos. Analisando as ofertas anunciadas nos jornais, causa surpresa verificar que alguns cursos são oferecidos, com o mesmo nome, em vários níveis: sequencial, extensão, especialização. Primeira questão: é feita uma diferenciação de nível e enfoque? As disciplinas que compõem os cursos de destinação individual ou coletiva apresentam uma lógica interna? Como evitar que estes cursos se tornem uma espécie de ensino "a quilo" como pontuou João Russo, coordenador de uma unidade promotora de cursos de formação específica, em recente entrevista concedida ao Jornal do Brasil ( Lagôa, 1999).
Ainda em relação ao conteúdo dos cursos sequenciais, vários cursos inovadores vem sendo oferecidos com sucesso mas, tomando como exemplo o curso de Psicopedagogia, área mais ligada à minha experiência profissional, pude verificar que ele vem sendo oferecido tanto em nível sequencial formação específica em dois anos - como em nível de pós-graduação (especialização). Quando se discutiu a reformulação do curso de Pedagogia, esta área foi considerada de nível pós-graduado tendo em vista o tipo de atuação que envolve. Será que estes profissionais eram exagerados, corporativistas? Agora podemos ter psicopedagogos dando atendimento psicopedagógico com dois anos de curso. Neste caso, inclusive, o aluno recebe um diploma enquanto o pós-graduado recebe um certificado de especialização. Este é somente um exemplo ilustrativo para despertar profissionais de diferentes áreas para os cursos que estão sendo oferecidos em sua área de atuação. O problema demanda uma avaliação criteriosa procurando-se evitar tanto a aceitação indiscriminada como a resistência arraigada.
A introdução de uma inovação não se restringe somente aos efeitos diretos de sua ação. No caso dos cursos sequenciais é interessante observar que a proposta original de aproveitar disciplinas já oferecidas pelos cursos de graduação, está sendo substituída por programas de formação completa ( cursos sequenciais de formação específica), alocados em novas estruturas no interior da instituição universitária. Estes cursos são, às vezes, colocados em "incubadoras" , segundo seus criadores, para não serem tragados pela estrutura tradicional das universidades. Este mesmo fenômeno ocorreu com o desenvolvimento das atividades de prestação de pesquisa e serviços que se apoiavam em fundações para contornar a estrutura burocrática das universidades. O problema pode advir do fato de que, por este caminho, a mudança pode permanecer na periferia da instituição universitária. Como a Universidade vai lidar com estas inovações? Que novos arranjos podem ser pensados sem que a instituição perca a sua identidade?
É importante refletir, também, sobre as relações destes cursos com os cursos de graduação e, mesmo, os de pós-graduação, principalmente lato-sensu. Coloca-se como um critério de passagem "séria" entre o mundo acadêmico dos cursos de graduação e os cursos sequenciais o exame vestibular. Entretanto, esta comoda barreira está desaparecendo e é preciso refletir como será feito este trânsito entra as diferentes formas de educação superior. São questões inovadoras que devem sempre levar em consideração a postura da instituição de ensino superior em relação os alunos que ela abriga.
Finalmente, não se pode esquecer que pode haver uma mal uso de propostas inovadoras. O único remédio para evitar distorções é uma avaliação contínua e de todos os segmentos envolvidos. Somente deste modo se poderá separar o joio do trigo.
Referências Bibliográficas
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FÁVERO, M.L.A. A dimensão histórico-política da nova Lei de Diretrizes e Bases e a Educação Superior. In: Alfredo M. Catani . Novas perspectivas nas políticas de Educação Superior na América Latina no Limiar do Século XXI. Campinas, SP: Autores Associados, 1998, p. 55 73
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LAGÔA, A . Sequencial atrai classe média. Entrevista com Raul Russo, publicada no Jornal do Brasil. Caderno Empregos, 4 de abril de 1999, p.1-2
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ORLETTI,C., TAVES, R.F. MEC lança cursos superiores voltados para mercado de trabalho de duração menor. Publicado no jornal O Globo de 23 de agosto de 1998. In: Clipping da Educação, Rio de Janeiro, Ano 7, n. 217, p. 10-13
SEGENREICH, S.C.D. Institucionalização da pesquisa nas universidades emergentes: novos arranjos e parcerias para uma questão mal resolvida. Trabalho apresentado na 20o Reunião da ANPEd, no GT de Política de Educação Superior, Caxambu, setembro de 1997
Legislação analisada
BRASIL. Lei N. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, de 23 de dezembro de 1996
BRASIL. Decreto N. 2.207 de 15/04/97. Regulamenta para o Sistema Federal de Ensino as disposições contidas na Lei 9.394/96. Diário Oficial da União, de 16 de abril de 1997
BRASIL. Congresso Nacional. Redação Final do Projeto de Lei n. 1 258 C de 1988 "que fixa diretrizes e bases da educação nacional", Diário Oficial, ano XLVIII, suplemento ao n. 80, 14 de maio de 1993, Brasília, DF
BRASIL. MEC/CNE. Parecer 670/97, aprovado em 6/11/97 que trata dos Cursos Sequenciais no Ensino Superior. Documenta . Brasília , ( 434) , novembro de 1997, p. 413 425
BRASIL.MEC. Edital n. 4 de 10 de dezembro de 1997. Convoca as Instituições de Ensino Superior a apresentar propostas para as novas Diretrizes Curriculares dos cursos superiores que serão elaborados pelas Comissões de Especialistas da SeSu/MEC. Diário Oficial n. 241, de 12 de dezembro de 1997, seção 3, p. 26720
BRASIL.MEC/CNE Parecer 672/98, aprovado em 01/10/98 que trata dos Cursos Sequenciais no Ensino Superior (texto mimeografado do Conselho Nacional de Educação). Brasília, DF
BRASIL. MEC/INEP. Plano Nacional de Educação: Proposta do Executivo ao Congresso Nacional. Brasília: INEP, 1998
BRASIL. Senado Federal. 1o esboço de um anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, s/d
BRASIL. Senado Federal. Parecer n. 8 de 1996, Da Comissão da Constituição, Justiça e Cidadania, sobre as Emendas apresentadas na discussão suplementar, ao Substitutivo do Senado ao Projeto da Câmara n. 101, de 1993 ( n. 1 258 d 1988, na origem) que fixa diretrizes e bases da educação nacional. Relator: Senador Darcy Ribeiro
BRASIL. Senado Federal. Substitutivo da C.E., de autoria do Senador Cid Saboia de Carvalho, sobre o PLC n. 101/93, 1996
BRASIL. Senado Federal. Parecer n. 691 de 1995. Redação do vencido, para o turno suplementar, do Substitutivo do Senado ao Projeto de Lei da Câmara n. 101, de 1993 ( n. 1 258 de 1988, na Casa de Origem)