O GT DE POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR: anotações para um debate

Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero

Coordenadora do PROEDES/UFRJ e Professora do PPGEd/UCP

Analisando a história desse GT, observa-se que nenhum de seus membros conhece todo o caminho por ele percorrido; um caminho que não é linear. Se isso ocorre é porque todo conhecimento de um objeto se apresenta sempre como uma oscilação entre as partes e o todo que se devem esclarecer mutuamente. Assim sendo, não tenho a pretensão de, numa síntese, apresentar toda a história desse Grupo de Trabalho, mas a de contribuir para sua compreensão, tentando subsidiar o conhecimento a respeito de sua trajetória.[1]

Feitas essas considerações preliminares, lembro que os grupos de trabalho da ANPEd foram instituídos em março de 1981, com o objetivo de promover debates, discussões e encontro de pessoas que estivessem pesquisando temas comuns ou tivessem interesse nos temas do respectivo grupo. Tais grupos se constituíram como uma das bases de sustentação da entidade, caracterizando-se como fóruns acadêmicos de discussão, debate e troca de idéias sobre resultados de pesquisas, trabalhos e estudos realizados, problemas relevantes a serem objeto de investigação, questões teórico-metodológicas e intercâmbio de informações bibliográficas[2] .

Entre os oito primeiros grupos de trabalho criados encontra-se o de Educação Superior, que realizou, como os demais, seu primeiro encontro na 5ª Reunião Anual, em 1982, tendo como preocupação consolidar sua criação através da definição de tarefas a ele afetas e do conhecimento das atividades acadêmicas e de pesquisa de seus membros, definir suas atividades a curto e médio prazos, bem como apresentar e discutir os trabalhos inscritos nessa Reunião Anual. O GT assumiu duas tarefas, consideradas naquele momento como as mais importantes: organizar um painel para a II CBE - Conferência Brasileira de Educação e produzir um documento no qual o grupo se posicionaria a respeito de questões que estavam sendo debatidas sobre a reforma estrutural da universidade[3]. A reforma estrutural da universidade no país estava em discussão e o Grupo, assim como outros setores organizados da sociedade civil -- ANDES, CRUB etc. -- tinham posição diferente do MEC, preocupado em promover a “reforma da reforma”. Com tais preocupações, o GT, durante a 5ª Reunião Anual, fez um levantamento de temas a serem debatidos e aprofundados num encontro previsto para antes da II CBE: financiamento da educação, relação entre pós-graduação e graduação, estrutura administrativa e acadêmica da universidade, relações de poder, autonomia e democracia, universidade e órgãos governamentais, relações universidade/comunidade, acesso e papel social da universidade, formação do pesquisador, entre outros[4].

Durante a 6ª Reunião, em 1983, colocou-se com clareza a existência de duas linhas de trabalho no GT: uma voltada para a problemática do ensino superior e a outra para questões de métodos e técnicas de ensino. Nessa ocasião, tentou-se pela primeira vez centrar os trabalhos em questões de política de educação superior. No entanto, devido a divergências de posições dentro do próprio GT, não se conseguiu chegar, nesse momento, a uma definição. Dentro da ANPEd, o descontentamento em relação à composição dos grupos e a seu objeto de trabalho não afetava apenas esse GT. Nessa Reunião é debatida, também, a pertinência da continuidade do Grupo, mas não se chegou a uma conclusão[5] .

Somente na 9ª Reunião, realizada no Rio de Janeiro, em 1986, foi explicitada a necessidade de o Grupo de Trabalho definir sua identidade. Após análise do caminho até então percorrido pelo GT, decidiu-se que o Grupo deveria ser mantido. Para evitar os problemas ocorridos no passado e reduzir o leque de assuntos tratados, aproximando-se mais os interesses de seus integrantes, foram escolhidos quatro temas considerados prioritários para serem estudados até as duas próximas reuniões: gestão e poder na universidade, autonomia e democratização, financiamento do ensino superior e integração do ensino com a pesquisa[6] .

As posições assumidas pelo Grupo refletem-se com nitidez na 10ª Reunião Anual, realizada em Salvador/Bahia, em maio de 1987. Nela se procurou direcionar os trabalhos para questões referentes a Educação e Constituinte, iniciando-se a discussão de propostas relacionadas ao capítulo da Educação na nova Carta, no que tange à Educação Superior e à Universidade. Os trabalhos centraram-se, em especial, nas seguintes questões: movimento da reforma universitária, universidade e conhecimento, autonomia universitária, relação público/privado e educação superior, avaliação da universidade, integração entre ensino e pesquisa. O exame do Boletim da ANPEd permite inferir que, depois dessa Reunião, há temas que passam a ser recorrentes no GT, tais como: funções da universidade, indissociabilidade entre ensino e pesquisa, avaliação, autonomia universitária, governo e gestão da universidade, história das instituições universitárias, magistério e qualificação docente, produção e apropriação do conhecimento na universidade, política de educação superior. Sobre esses temas, foram organizadas mesas redondas e sessões especiais por ocasião das reuniões anuais subseqüentes, em geral realizadas com a participação de outros GTs. Dois pontos ainda merecem especial atenção: na 17ª Reunião, em 1994, o Grupo decidiu mudar sua denominação de Política de Ensino Superior para Política de Educação Superior e estabeleceu a participação de pesquisadores latino-americanos, a partir de 1995, no GT, durante as reuniões anuais da ANPEd.

Não se pode deixar de registrar, também a realização de seminários e reuniões de intercâmbio que marcaram o caminhar do GT e proporcionaram um avanço em termos de uma reflexão coletiva mais conseqüente sobre seu papel e as questões a ele afetas. Destaca-se, em especial, a Reunião-Estágio, realizada na Faculdade de Educação da UFRJ, de 8 a 10 de dezembro de 1988, por solicitação da ANPEd. Nela, foram discutidas e encaminhadas por intermédio da Associação ao deputado Jorge Hage, relator do primeiro Projeto da LDB na Câmara, recomendações e propostas direcionadas à nova Lei sobre os seguintes pontos: autonomia universitária, gestão democrática, instituições de ensino superior públicas, carreira docente e pós-graduação. Tais sugestões foram integralmente incorporadas no substitutivo elaborado por esse Relator.

De forma muito clara, já na 15ª Reunião Anual (1992) se apresentou a necessidade de se desenvolver uma reflexão mais aprofundada sobre os trabalhos de educação superior da área. Foi decidido naquela ocasião que seriam organizados dois estágios de intercâmbio, em 1993 e 1994. O primeiro teria por objetivo fazer o levantamento dos estudos produzidos, sinalizando as contribuições e lacunas, seguido de uma primeira análise teórico-metodológica dessa produção. O segundo intercâmbio deveria discutir os trabalhos produzidos por integrantes do Grupo, bem como efetuar o planejamento e divulgação dos seus resultados. Tal estratégia foi apresentada em substituição à realização do “estudo sobre o estado do conhecimento da área” uma vez que, dada a carência de recursos, o projeto não chegou a ser concretizado[7].

Com tais preocupações, em abril de 1994, foi realizado o Seminário de Intercâmbio Educação Superior em discussão, sediado no PROEDES//UFRJ, com o apoio da ANPEd, tendo por objetivos: reavaliar a temática do GT e seus desdobramentos, estudar medidas que o consolidassem, buscando alternativas para ações mais sistemáticas e contínuas, assim como analisar as possibilidades de articulação com grupos de áreas afins e com pesquisadores da área de educação que não o integram[8]. Nesse seminário realizou-se um balanço das atividades e estudos realizados pelo Grupo de Trabalho em seus doze anos de existência. Numa visão prospectiva, foram demarcadas algumas questões a serem pesquisadas e aprofundadas por seus membros, procurando-se mapear interlocutores, enquanto sujeitos individuais e institucionais.

Frente à necessidade de levantamento e avaliação dos estudos sobre a produção em Educação Superior e dando continuidade às discussões e reflexões realizadas, sobretudo a partir dos anos 90, foi realizado em maio de 1995,também no PROEDES/UFRJ, o 2º Seminário sobre o tema Políticas de Educação Superior, com o objetivo de elaborar um projeto integrado de pesquisa, idéia que havia surgido na 14ª Reunião da ANPEd, em 1991. Durante o Seminário, o projeto foi definido como uma prioridade para o Grupo, sendo elaborada sua versão preliminar. Após revisão do texto, o projeto foi encaminhado ao CNPq para apreciação e julgamento. Tendo sido aprovado em março de 1996, a pesquisa iniciou-se contando com a participação de pesquisadores de nove universidades, a saber: UFGRS (onde a coordenação geral ficou sediada, no GEU/UFGRS), UFRJ (funcionando o PROEDES como núcleo executor da pesquisa no Rio de Janeiro), UERJ, UFF, UNIMEP, UNICAMP, UFMG, UFAL e UFPA. A partir da 1997, a USP, através de um de seus pesquisadores, passou a integrar o projeto.

Trata-se de uma investigação de natureza bibliográfica, objetivando mapear e avaliar a Produção Científica sobre Educação Superior no Brasil, após a implantação da Reforma Universitária (1968 até 1995), bem como delinear perspectivas da produção do conhecimento na área, a partir de levantamento nos principais periódicos em educação e áreas afins, em livros, teses e dissertações . Atualmente, o projeto, com o apoio do CNPq, está em sua terceira etapa, tendo-se estendido o período da pesquisa até fevereiro de 2002.

Como produtos do trabalho realizado no Projeto Integrado Produção Científica sobre Educação Superior no Brasil (1968-1995): Avaliação e Perspectivas, foram lançadas duas coletâneas: a primeira, em 1998, organizada por Marília C. Morosini e Valdemar Sguissardi, intitulada A Educação superior em periódicos nacionais ( Vitória/ES:FCAA) e a segunda, em 2000, organizada por Maria do Carmo de Lacerda Peixoto, sob o título Educação Superior: avaliação da produção científica (Belo Horizonte: Imprensa Universitária da UFMG). Encontra-se em fase de elaboração o Estado da Arte sobre Educação Superior no Brasil a cargo de pesquisadores do GT, com apoio financeiro do COMPEd - Comitê dos Produtores da Informação Educacional, coordenado pelo INEP–Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

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Analisando a documentação disponível na ANPEd e com base em depoimentos de membros do GT, percebe-se que esse Grupo vem, a partir da 10ª Reunião Anual, marcando cada vez mais sua presença dentro da Associação. Esse desempenho tem encontrado dificuldades. Uma delas é o número ainda reduzido de seus membros efetivos trabalhando a temática política da educação superior. Nessa direção, o projeto integrado de pesquisa muito tem contribuído para suprir essas dificuldades, vez que seu propósito é desdobrar-se em outras pesquisas e estudos, podendo vir a constituir-se o eixo articulador da produção do Grupo e, também, de possíveis encaminhamentos de propostas sobre políticas de educação superior no país.

Essa questão é das mais relevantes, devendo ser amadurecida por todos, pois se o GT quer avançar e se institucionalizar como espaço de debate responsável a respeito da temática que lhe é específica, deve não apenas acompanhar o que está sendo publicado nessa linha, mas também apresentar produção consistente, como também, acompanhar projetos e estudos desenvolvidos por seus membros, discutindo seus resultados. É fundamental, também, que acompanhe a produção sobre sua temática em áreas afins, no plano nacional e internacional, estando atento às discussões e propostas, sobretudo nos países latino-americanos, com vistas a ampliar os horizontes da reflexão e da pesquisa. Todavia, para que essa estratégia se efetive e a produção do GT alcance maior intensidade, é importante que os encontros de trabalho coletivo não se limitem às reuniões anuais da ANPEd. Outros espaços têm que ser aproveitados e/ou criados. Assim, sugere-se que se continue programando e realizando estágios e/ou seminários intermediários, a partir de uma pauta de temas e questões a serem aprofundadas. Para que o grupo avance nas discussões sobre sua temática e se tenha uma visão de onde falam esses pesquisadores, recomenda-se ainda: sejam mapeadas as linhas de pesquisa às quais seus membros estão vinculados e sua relação com programas de pós-graduação, núcleos, laboratórios, centros de pesquisa etc; e sejam privilegiados temas ou questões, inclusive como orientação para apresentação e seleção de trabalhos nas reuniões anuais da ANPEd, deixando-se espaço para a demanda de outros estudos.

Refazendo a trajetória do Grupo de Trabalho nesses dezoito anos, é fácil identificar dificuldades, mas também se realçar pontos nos quais ele avançou e a partir dos quais deverá articular novos esforços de investigação e de produção de estudos sobre Educação Superior. Não é demais insistir que o GT não poderá deixar de contemplar outras e novas questões que se apresentam sobre sua temática; será sempre um dos desafios a ser assumido pelo Grupo, entendido como um fórum de debate e de incentivo à produção científica sobre Educação Superior .


[1] Esta síntese foi redigida a partir do texto da autora: “O GT de Educação Superior: trajetória e perspectivas”, apresentado na Reunião Anual da ANPEd, em 1998.

[2] Consultar, Boletim ANPEd v.3, n. 1, out. 1981.

[3] Laura da Veiga. Relatório do GT Ensino Superior. Boletim ANPEd, v.4, n. 3, maio, 1982, p. 1-3.

[4] Id., ibid.

[5] Laura da Veiga. Ensino Superior. Informativo ANPEd, v. 8, n. 1, jan./mar. 1986, p.9-10.

[6] Glaura Vasques de Miranda, Jacques Rocha Velloso e Sofia Lerche. Relatório do GT Política do Ensino Superior. Boletim ANPEd, v. 8, n. 2, abr./jun., 1986, p. 9.

[7] Glaura Vasques de Miranda. Relatório do GT Políticas de Ensino Superior. Boletim ANPEd, v. 15, n. 2, out./dez.,1993, p.86-9.

[8] Consultar a respeito, Marília Costa. Morosini. Relatório do GT Política de Ensino Superior. Boletim ANPEd, v. 16, n.2, out./dez, 1994, p.-133-6 e da mesma autora, op. cit. Seminários de Intercâmbio. Educação Superior: temática em discussão, p. 205-12.